segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

O compromisso social da análise do comportamento: relevância da aproximação com o feminismo



Jordana Fontana
Verônica Bender Haydu

            O termo feminismo é impregnado de uma pluralidade de significados e interpretações, de acordo com as diferentes correntes feministas e pontos de vista a respeito do assunto. Em termos gerais, pode ser definido como uma teoria política ou um movimento social que analisa as relações sociais voltadas ao gênero, buscando transformar práticas de dominação e opressão que favorecem homens em detrimento de mulheres. Tem como objetivo a resistência à dominação masculina, a luta pela liberdade feminina e a igualdade de direitos entre gêneros. Em termos analítico-comportamentais, o feminismo pode ser compreendido como uma forma de contracontrole em oposição a práticas de opressão, tendo como objetivo modificar contingências sociais de dominação masculina. A análise do comportamento é uma ciência que demonstra clara preocupação com questões sociais, o que pode ser estendido para a discussão de gênero. Skinner atentou em várias de suas obras para a construção de uma sociedade mais justa, com pessoas livres de qualquer forma de controle opressivo, portanto, uma aproximação entre a análise do comportamento e o feminismo pode contribuir para a realização de diversas ações enriquecedoras das práticas da ciência do comportamento.
Por muito tempo, os analistas do comportamento se mantiveram afastados de discussões referentes à questão de gênero, tendo recebido críticas pelo androcentrismo presente em suas teorias e pela incompatibilidade com ações que visem à equidade de gênero. Dentre os vários aspectos criticados, está o foco de suas pesquisas no comportamento individual em vez do grupal. Além disso, os próprios analistas do comportamento muitas vezes se comportam de forma a contribui para a perpetuação do discurso dominante. Por muitos anos as mulheres têm sido excluídas da esfera pública e da ciência de forma geral (Schiebinger, 2001). Conforme apontou Couto (2017), recorrentemente, mulheres ficam em posições menos valorizadas do que homens em cargos, associações; recebem menos convites para eventos e há disparidades em pesquisas e publicações.
Maria del Rosario Ruiz (Ruiz, 1995, 1998), feminista e analista do comportamento, produziu diversos artigos argumentando ser possível uma aproximação entre a análise do comportamento e o feminismo, pois existem convergências no que diz respeito à visão sobre o processo de como são constituídas as relações de dominação masculina na sociedade. As duas teorias são contrárias ao reducionismo biológico e a visão essencialista na determinação do que é feminino e masculino e, portanto, rejeitam esses fatores como justificativa da desigualdade de gênero. Ao contrário, conforme Ruiz, os papéis atribuídos a cada gênero na sociedade são construídos por meio de práticas culturais e, por isso, há possibilidade de mudanças.
Diante do exposto e tendo em vista a preocupação social da análise do comportamento, sua aproximação com o feminismo pode auxiliar na proposição de intervenções que visem a mudança dessas práticas, bem como discutir a participação das mulheres na ciência, possibilitando que elas tenham destaque e sejam mais ouvidas no processo de construção do conhecimento. A análise do comportamento tem muito a contribuir em questões sociais e de gênero, e a influência de mulheres feministas adeptas a essa teoria e ações feministas como forma de contracontrole podem ser um caminho que essa iniciando sua trajetória. A área de planejamento cultural está em crescimento e pode se beneficiar dessa aproximação. Discussões feministas podem ajudar a dar maior visibilidade para essas pesquisas e incitar maior propagação desse tipo de trabalho.
           
Referências
Couto, A. G. (2017). Uma análise Behaviorista Radical da discussão feminista sobre o empoderamento da mulher. (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba). Recuperado de https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/52567/R%20-%20D%20-%20ALINE%20GUIMARAES%20COUTO.pdf?sequence=1&isAllowed=y.
Ruiz, M. R. (1995). B. F. Skinner’s Radical Behaviorism: Historical misconstructions and grounds for feminist reconstructions. Behavioral and Social Issues, 19(2), 161-179.
Ruiz, M. R. (1998). Personal agency in feminist theory: Evicting the illusive dweller. The Behavior Analyst, 21, 179-192.
Schiebinger, L. (2001). O feminismo mudou a ciência? Bauru, SP: EDUSC. (Original publicado em 1999).


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