sexta-feira, 3 de julho de 2020

Compreendendo o comportamento do/da motorista por meio das relações derivadas



Bruna Resende Teixeira
Verônica Bender Haydu
João Henrique de Almeida


Acidentes de trânsito são uma questão de saúde pública. Estima-se que cerca de 1,35 milhão de pessoas morrem anualmente no mundo por acidentes de trânsito (OPAS/OMS, 2019), sendo o principal fator responsável por esse fato, o comportamento do/da motorista (de Almeida-Leitão et al., 2019). Para compreender as variáveis comportamentais relacionadas ao comportamento do/da motorista, a Teoria das Molduras Relacionais (Relational Frame Theory - RFT) nos apresenta o responder relacional arbitrariamente aplicável.
Caracterizado como um comportamento operante generalizado, o responder relacional arbitrariamente aplicável permite explicar a linguagem e cognição humana. Desde pequenos somos expostos a contingências da comunidade verbal em que aprendemos a estabelecer relações inicialmente treinadas diretamente e não-arbitrárias e, posteriormente, exibimos respostas relacionais não treinadas e arbitrárias. Deste modo, diferentes tipos de relações possíveis são aprendidos por meio de dicas contextuais como: similaridade, oposição, diferença, entre outras (Hughes, Barnes-Holmes & Vahey, 2012). O responder relacional arbitrariamente aplicável é um operante que ocorre de forma previsível e ordenada, a partir do controle contextual. Assim, a explicação da RFT nos permite compreender como as palavras adquirem significado e porquê os indivíduos reagem a elas da forma como o fazem.
            A proposta apresentada pela RFT para o entendimento do repertório verbal dos indivíduos permite descrever os comportamentos dos/das motoristas. Esses comportamentos configuram um conjunto de regras arbitrárias de como se portar no trânsito, visto que para a RFT, esse é um comportamento verbal. Segue-se que essas regras serão capazes de modificar o significado de elementos presentes no ambiente dos/das motoristas, estabelecendo funções específicas, mesmo em casos em que ele nunca havia respondido aquela condição anteriormente (de Almeida & Perez, 2016; Barnes-Holmes et al., 2010). Desse modo, o comportamento de dirigir depende essencialmente do controle contextual que irá estabelecer como o contexto funcional e relacional irá controlar os significados afetando as respostas dos/das motoristas.
Vamos então analisar o comportamento de um/uma motorista que dirige numa grande cidade durante a madrugada. Por exemplo, nesse contexto, a luz vermelha do semáforo evoca a resposta de parar o carro, a luz amarela de diminuir a velocidade e ficar mais “atento” e a luz verde de prosseguir no percurso. Supondo que se o/a motorista estiver diante do semáforo, a luz vermelha tem um significado claro – parar. Por outro lado, durante a madrugada e em uma via perigosa. Nesse contexto, mais elementos são relacionados a regra anterior de parar diante do sinal vermelho. O período da madrugada e estar em uma via perigosa são elementos que irão adicionar uma função de “sensação de perigo”, o que irá afetar a resposta evocada pelos estímulos das luzes do semáforo. Nesse caso, provavelmente o/a motorista não irá parar o carro, mesmo que o sinal esteja vermelho. A probabilidade maior é que o/a motorista apenas reduza a velocidade e dê sequência ao percurso. Dado que, a resposta relacional arbitrariamente aplicável que estabelecia um significado simples para o sinal vermelho, agora se tornou mais complexa e, como consequência, o significado anterior foi drasticamente modificado. Assim, compreendemos a importância do controle contextual para interpretação de diferentes respostas diante de um mesmo estímulo. O significado não é estabelecido graças apenas a um estímulo, mas o contexto determina como as funções serão transformadas, determinando o comportamento final observado.
A compreensão do controle contextual é essencial para a compreensão do comportamento dos/das motoristas. Dado que o repertório verbal do indivíduo desempenha um papel essencial para o entendimento do comportamento de dirigir. Indivíduos com uma história de controle arbitrário menos flexível e fortalecida podem seguir cegamente as regras de trânsito a despeito de sua própria segurança. Por outro lado, indivíduos com uma história mais flexível em relação seguir regras de trânsito, podem ter essas respostas relacionais arbitrariamente aplicáveis mais facilmente modificadas. Nesses casos, elas podem incluir elementos adicionais, como vantagens pessoais ou mesmo o atraso em algum evento afetando o comportamento do/da motorista. Conclui-se que ao se considerar o responder relacional arbitrariamente aplicável, uma compreensão mais precisa do comportamento do/da motorista pode ser obtida, ampliando as possibilidades de investigações sobre esse comportamento, bem como, a compreensão do envolvimento de motoristas em acidentes de trânsito.

REFERÊNCIAS

Barnes-Holmes, D., Barnes-Holmes, Y., Stewart, I., & Boles, S. (2010). A Sketch of the Implicit Relational Assessment Procedure (IRAP) and the Relational Elaboration and Coherence (REC) Model. The Psychological Record, 60(3), 527–542. doi:10.1007/bf03395726
de Almeida-Leitão, P., Bezerra, I. M. P., de Sousa Santos, E. F., de Lira-Ribeiro, S., Takasu, J. M., Carlesso, J. S., & de Abreu, L. C. (2019). Mortalidade por acidentes de trânsito, antes e após redução da velocidade média de veículos automotores na cidade de São Paulo, Brasil, no período de 2010 a 2016. Journal of Human Growth and Development, 29(1), 83-92.
de Almeida, J. H., & Perez, W. F. (2016). Paus e pedras podem machucar, mas palavras... também! - Teoria das molduras relacionais. In Soares, P. G, de Almeida, J. H. & Xavier, C. C.  Experimentos clássicos em análise do comportamento [recurso eletrônico].  - Brasília: Instituto Walden4, 2016. 333 p. ISBN: 978-85-65721-10
Hughes, S., Barnes-Holmes, D., & Vahey, N. (2012). Holding on to our functional roots when exploring new intellectual islands: A voyage through implicit cognition research. Journal of Contextual Behavioral Science, 1(1-2), 17-38. doi: 10.1016/j.jcbs.2012.09.003
Organização Mundial da Saúde (OMS). Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). 2019. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5147:acidentes-de-transito-folha-informativa&Itemid=779

Como podemos ensinar crianças com autismo a seguir instruções?



Lara Gil Ribeiro Lenza
Verônica Bender Haydu


            Você provavelmente já ouviu falar em Transtorno do Espectro Autista (TEA), certo? Em março de 2020 foi divulgada a nova prevalência segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC): uma em cada 54 crianças (Baio et al., 2020) tem o diagnóstico de TEA. Uma das características de crianças com esse diagnóstico é a dificuldade em seguir instruções básicas do dia a dia. A ausência dessa classe de comportamentos dificulta o estabelecimento de interações sociais e o desenvolvimento de outras habilidades. Os métodos de ensino analítico-comportamentais demonstraram ser particularmente relevantes para o desenvolvimento do controle instrucional, caracterizando-se como uma forma adequada de intervenção em casos de TEA.
A dificuldade de seguir instruções está associada a um dos critérios diagnósticos do TEA, que inclui déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos (DSM-V, 2013). Seguir uma instrução exige dois componentes fundamentais: compreender o que foi instruído e executar o que a instrução especifica (e.g., Hayes e Hayes, 1989). Esses dois componentes – compreender e executar – envolvem a interação entre o ouvinte e o falante, e então surge a necessidade de intervir em tal habilidade.
Uma forma de ensinar a compreensão e o seguimento de regras a uma criança é a apresentação sistemática de uma instrução pelo falante, a solicitação da emissão do comportamento pelo ouvinte e a liberação de uma consequência positiva (reforçadores) para a resposta de seguir a instrução. O falante pode, por exemplo, pedir para que a criança guarde um brinquedo. Assim que ela o fizer, é importante que algum item tangível de sua preferência seja liberado. Vale ressaltar que uma consequência específica é importante para selecionar o comportamento, no entanto, é fundamental que aos poucos consequências reforçadoras tangíveis sejam substituídas por reforçadores sociais como o elogio. Outro ponto importante é a ajuda: nas primeiras vezes em que a instrução for fornecida a criança pode precisar de ajuda física para segui-la. Assim como com os reforçadores, o instrutor deve diminuir sucessivamente a ajuda, até que a criança consiga segui-la sozinha.
O ensino do seguimento de instruções permite o desenvolvimento da compreensão do que é solicitado pelo falante. Essa compreensão pode ser generalizada para diferentes contextos que exijam independência e autonomia da criança para executar uma série de comportamentos, sejam eles sociais ou acadêmicos. As intervenções comportamentais consideram os pré-requisitos e as habilidades individuais de cada criança ao planejar programas de ensino. Esses programas devem considerar o ensino de repertórios básicos como a compreensão de instruções e o seguimento delas, pois dessa forma uma quantidade muito grande de outras habilidades podem ser ensinadas. .

Referências
Associação Americana de Psiquiatria. (2013). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-V. 5ª Ed. Washington: Associação Americana de Psiquiatria.
Baio, J., Wiggins, L., Christensen, D. L., Maenner, M. J., Daniels, J., Warren, Z. … Dowling, N. F. (2020). Prevalence of Autism Spectrum Disorder among children aged 8 years – Autism and Developmental Disabilities Monitoring Network, 11 Sites, United States, 2016. MMWR Surveill Summ, 67 (No. SS-6): 1–23.
Hayes, S. C. & Hayes, L. J. (1989). The verbal action of the listener as a basis for rule-governance. In S. C. Hayes (Org.), Rule-governed behavior: Cognition, contingencies, and instructional control (pp. 153-190). New York: Plenum.