Bruna Resende Teixeira
Verônica Bender Haydu
João Henrique de Almeida
Acidentes de trânsito são
uma questão de saúde pública. Estima-se que cerca de 1,35 milhão de pessoas
morrem anualmente no mundo por acidentes de trânsito (OPAS/OMS, 2019), sendo o
principal fator responsável por esse fato, o comportamento do/da motorista (de
Almeida-Leitão et al., 2019). Para compreender as variáveis comportamentais
relacionadas ao comportamento do/da motorista, a Teoria das Molduras
Relacionais (Relational Frame Theory - RFT) nos apresenta o responder
relacional arbitrariamente aplicável.
Caracterizado como um comportamento
operante generalizado, o responder relacional arbitrariamente aplicável permite
explicar a linguagem e cognição humana. Desde pequenos somos expostos a
contingências da comunidade verbal em que aprendemos a estabelecer relações
inicialmente treinadas diretamente e não-arbitrárias e, posteriormente,
exibimos respostas relacionais não treinadas e arbitrárias. Deste modo, diferentes
tipos de relações possíveis são aprendidos por meio de dicas contextuais como:
similaridade, oposição, diferença, entre outras (Hughes, Barnes-Holmes & Vahey,
2012). O responder relacional arbitrariamente aplicável é um operante que
ocorre de forma previsível e ordenada, a partir do controle contextual. Assim, a
explicação da RFT nos permite compreender como as palavras adquirem significado
e porquê os indivíduos reagem a elas da forma como o fazem.
A proposta apresentada
pela RFT para o entendimento do repertório verbal dos indivíduos permite
descrever os comportamentos dos/das motoristas. Esses comportamentos configuram
um conjunto de regras arbitrárias de como se portar no trânsito, visto que para
a RFT, esse é um comportamento verbal. Segue-se que essas regras serão capazes
de modificar o significado de elementos presentes no ambiente dos/das
motoristas, estabelecendo funções específicas, mesmo em casos em que ele nunca
havia respondido aquela condição anteriormente (de Almeida & Perez, 2016;
Barnes-Holmes et al., 2010). Desse modo, o
comportamento de dirigir depende essencialmente do controle contextual que irá
estabelecer como o contexto funcional e relacional irá controlar os
significados afetando as respostas dos/das motoristas.
Vamos então analisar o
comportamento de um/uma motorista que dirige numa grande cidade durante a
madrugada.
Por exemplo, nesse contexto, a luz vermelha do semáforo evoca a resposta de
parar o carro, a luz amarela de diminuir a velocidade e ficar mais “atento” e a
luz verde de prosseguir no percurso. Supondo que se o/a motorista estiver
diante do semáforo, a luz vermelha tem um significado claro – parar. Por outro
lado, durante a madrugada e em uma via perigosa. Nesse contexto, mais elementos
são relacionados a regra anterior de parar diante do sinal vermelho. O período da
madrugada e estar em uma via perigosa são elementos que irão adicionar uma
função de “sensação de perigo”, o que irá afetar a resposta evocada pelos
estímulos das luzes do semáforo. Nesse caso, provavelmente o/a motorista não
irá parar o carro, mesmo que o sinal esteja vermelho. A probabilidade maior é
que o/a motorista apenas reduza a velocidade e dê sequência ao percurso. Dado
que, a resposta relacional arbitrariamente aplicável que estabelecia um
significado simples para o sinal vermelho, agora se tornou mais complexa e,
como consequência, o significado anterior foi drasticamente modificado. Assim,
compreendemos a importância do controle contextual para interpretação de
diferentes respostas diante de um mesmo estímulo. O significado não é
estabelecido graças apenas a um estímulo, mas o contexto determina como as
funções serão transformadas, determinando o comportamento final observado.
A compreensão do controle contextual é essencial
para a compreensão do comportamento dos/das motoristas. Dado que o repertório
verbal do indivíduo desempenha um papel essencial para o entendimento do
comportamento de dirigir. Indivíduos com uma história de controle arbitrário
menos flexível e fortalecida podem seguir cegamente as regras de trânsito a
despeito de sua própria segurança. Por outro lado, indivíduos com uma história mais
flexível em relação seguir regras de trânsito, podem ter essas respostas
relacionais arbitrariamente aplicáveis mais facilmente modificadas. Nesses
casos, elas podem incluir elementos adicionais, como vantagens pessoais ou
mesmo o atraso em algum evento afetando o comportamento do/da motorista. Conclui-se
que ao se considerar o responder relacional arbitrariamente aplicável, uma compreensão
mais precisa do comportamento do/da motorista pode ser obtida, ampliando as
possibilidades de investigações sobre esse comportamento, bem como, a compreensão
do envolvimento de motoristas em acidentes de trânsito.
REFERÊNCIAS
Barnes-Holmes, D., Barnes-Holmes, Y., Stewart, I.,
& Boles, S. (2010). A Sketch of the Implicit Relational Assessment
Procedure (IRAP) and the Relational Elaboration and Coherence (REC) Model. The Psychological Record,
60(3), 527–542. doi:10.1007/bf03395726
de
Almeida-Leitão, P., Bezerra, I. M. P., de Sousa Santos, E. F., de Lira-Ribeiro,
S., Takasu, J. M., Carlesso, J. S., & de Abreu, L. C. (2019). Mortalidade
por acidentes de trânsito, antes e após redução da velocidade média de veículos
automotores na cidade de São Paulo, Brasil, no período de 2010 a 2016. Journal of Human Growth and
Development, 29(1), 83-92.
de Almeida, J. H., & Perez, W. F.
(2016). Paus e pedras podem machucar, mas
palavras... também! - Teoria das molduras relacionais. In
Soares, P. G, de Almeida, J. H. & Xavier, C. C. Experimentos clássicos em análise do
comportamento [recurso eletrônico]. - Brasília: Instituto Walden4, 2016. 333
p. ISBN: 978-85-65721-10
Hughes, S., Barnes-Holmes, D., & Vahey, N. (2012).
Holding on to our functional roots when exploring new intellectual islands: A
voyage through implicit cognition research. Journal
of Contextual Behavioral Science, 1(1-2), 17-38. doi: 10.1016/j.jcbs.2012.09.003
Organização
Mundial da Saúde (OMS). Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). 2019.
Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5147:acidentes-de-transito-folha-informativa&Itemid=779
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