terça-feira, 22 de julho de 2025

Comportamento tem gênero? Uma discussão sobre o reforçamento diferencial entre mulheres e homens

 

Fonte: https://unsplash.com/pt-br

 Fernanda Mocki Colombo

Verônica Bender Haydu

        Pense na seguinte frase: “Sente-se igual mocinha!”. Você já ouviu alguém pedir para um menino se sentar como mocinho? Ou para uma menina engolir o choro porque “mulher não chora”? Comandos como esses normalizam, mesmo sem que percebamos, uma diferenciação entre os gêneros femininos e masculinos, a ponto de acharmos que as diferenças entre os comportamentos de mulheres e homens são naturais. O conceito analítico-comportamental de reforçamento diferencial, porém, nos ajuda a explicar esses operantes considerando as contingências sociais específicas que os construíram.

O reforçamento diferencial, de acordo com Pierce e Cheney (2017), envolve reforçar um operante em uma situação, mas não em outra. Aquela em que o operante em questão é reforçado é chamada de estímulo discriminativo, enquanto a situação em que ele não é reforçado se chama estímulo delta. Com esse conceito em vista, vale questionar: sob controle de que estímulos estamos quando reforçamos o comportamento de outras pessoas?

Desde a infância, mulheres são expostas a contingências diferentes das dos homens (Ruiz, 2003), sendo ensinadas a executar atividades de cuidado e domésticas, a preocupar-se com a própria aparência e a se comportarem de forma bondosa (Adichie, 2017). No caso dos homens, o que é mantido socialmente é o engajamento em esportes (Auad, 2020), em cargos de poder e liderança, e outros (Fontana & Laurenti, 2020). Pautado nessas contingências, um observador interpreta de forma diferente um comportamento quando emitido por uma mulher ou por um homem (Ferraz et al., 2023). Isso significa que, diante da ação de uma pessoa, a consequência social desta ação depende não apenas de qual ação foi essa, mas também do gênero do emissor.

Podemos descrever o seguinte exemplo: ir a uma balada e beijar diferentes pessoas em uma mesma noite é comumente reforçado quando se trata do comportamento de um homem. Uma mulher emitindo a mesma resposta, porém, provavelmente não teria seu comportamento reforçado. Ou seja, esse é um operante que costuma gerar consequências reforçadoras diferenciais quando emitido por um homem (estímulo discriminativo) e não quando emitido por uma mulher (estímulo delta).

Um ponto de destaque é que, nessa conjuntura, as mulheres saem em desvantagem, uma vez que os comportamentos considerados aceitáveis para elas são majoritariamente relacionados ao âmbito doméstico, o que as limita à esfera privada do lar (Fontana & Laurenti, 2020). Um exemplo é o valor atribuído ao casamento, já que meninas são ensinadas, desde muito novas, a sonhar com o matrimônio. A autora Chimamanda Adichie (2017) chama atenção para o fato de que o mesmo não é ensinado aos meninos. Então, em uma relação entre um homem e uma mulher, a instituição casamento terá mais valor para um do que para outro, favorecendo a manutenção de relações desiguais. Enquanto isso, segundo Nicolodi (2021), homens têm mais oportunidades de desenvolver repertórios diversos, já que acessam reforçadores importantes no contexto público, fora do ambiente doméstico.

Como resultado do processo de reforço diferencial de operantes com base no gênero, observa-se a manutenção destes papéis atribuídos à feminilidade e à masculinidade. Nesse sentido, a descrição dessas contingências pode ser importante para que possamos questionar sentenças como as citadas na introdução desse texto, bem como refletir sobre o tipo de prática que temos realizado ao reforçar o comportamento de outros.

 Referências

Auad, D. (2020). Educar meninas e meninos: relações de gênero na escola. (2ª ed.) São Paulo: Contexto.

Adichie, C. N. (2017). Para educar crianças feministas: um manifesto. São Paulo: Companhia das Letras.

Ferraz, J. C., Peixinho, H. L. S., Vichi, C., & Sampaio, A. A. S. (2023). Uma análise de metacontingências e macrocontingências envolvidas em práticas de gênero. In R. Pinheiro & T. Mizael (eds.), Debates sobre feminismo e Análise  do Comportamento 1 (2a ed., Cap. 7, pp. 133-148). Instituto Par Ciências e Tecnologia do Comportamento.

Fontana, J., & Laurenti, C. (2020). Práticas de violência simbólica da cultura de dominação masculina: Uma interpretação comportamentalista. Acta Comportamentalia, 28(4), 499-515. https://www.revistas.unam.mx/index.php/acom/article/view/77327

Nicolodi, L. G. de., & Hunziker, M. H. L. (2021). O patriarcado sob a ótica analítico-comportamental: Considerações iniciais. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 17(2), 164-175. http://dx.doi.org/10.18542/rebac.v17i2.11012

Pierce, W. D., & Cheney, C. D. (2017). Behavior Analysis and Learning (6ª ed.). New York: Routledge.

Ruiz, M. R. (2003). Inconspicuous sources of behavioral control: The case of gendered practices. The Behavior Analyst Today, 4(1), 12-16. https://doi.org/10.1037/h0100005

quarta-feira, 9 de julho de 2025

O Gaslighting sob a Ótica da Análise Comportamental

  

 

Fonte: Inteligência Artificial “DALL·E”, modificada em 19/02/2025. 

Ariadne Barbieri Missiato

Verônica Bender Haydu 

Você já se perguntou o que mantém pessoas em relacionamentos abusivos? Uma das dinâmicas comuns nesses contextos é o gaslighting. Trata-se de uma forma de manipulação psicológica em que o agressor distorce a percepção da vítima sobre si mesma e o mundo ao seu redor, levando-a a questionar suas lembranças, percepções e julgamentos (Abramson, 2014). Essa prática afeta a confiança da vítima, fazendo-a duvidar de sua própria visão da realidade.

O fenômeno do gaslighting pode ser compreendido como uma forma de controle coercitivo. A coerção ocorre quando um indivíduo impõe seu domínio sobre outro por meio de contingências aversivas, que podem incluir punições, ameaças, manipulação verbal e extinção de comportamentos (Sidman, 1989). Esses conceitos auxiliam na compreensão de como o agressor modela o comportamento da vítima, diminuindo a variabilidade de seus comportamentos e reforçando uma dinâmica de poder desequilibrada.

O comportamento da vítima, muitas vezes, é mantido por meio de reforço negativo, ou seja, pela retirada de um estímulo aversivo, aumentando a frequência de determinado comportamento. No gaslighting, isso ocorre quando a pessoa ameaçada opta por se manter em silêncio para evitar punições, geralmente verbais (Moreira & Oliveira, 2023). Por exemplo, ela pode escolher não defender sua posição durante uma discussão por já ter sido rotulada como “irracional” em situações semelhantes anteriores. Esse tipo de consequência reforça a submissão e reduz sua capacidade de agir de forma diversa, perpetuando o ciclo de abuso.

O controle coercitivo ocorre, muitas vezes, por meio de punições verbais, com afirmações como: “você está inventando coisas” ou “isso nunca aconteceu”. A repetida negação dessas histórias inibe a capacidade da vítima de se expressar e até de confiar na visão que ela tem da realidade (Abramson, 2014). Outra forma de punição é a retirada de bens ou direitos, utilizada para impor controle sobre a vítima (Moreira & Oliveira, 2023), reforçando sua dependência e dificultando a resistência às narrativas impostas pelo agressor.

O gaslighting pode ser interpretado, ainda, como uma forma de controle cultural sutil e discreto, que fortalece relações de poder desiguais entre os gêneros (Fontana & Laurenti, 2020). A violência simbólica opera por meio de contingências como o reforço diferencial e o controle ético, desqualificando das ações e sentimentos da pessoa afetada. Ao desacreditar sistematicamente a vítima, prática que contribui para o desenvolvimento de crenças que diminuem sua autonomia, os privilégios e o acesso do agressor a reforçadores sociais são mantidos. Isso cria uma dinâmica que perpetua sistemas de dominação e dependência.

Referências

Abramson, K. (2014). Turning up the lights on gaslighting. Philosophical Perspectives, 28(1), 1–30. https://doi.org/10.1111/phpe.12046

Fontana, J., & Laurenti, C. (2020). Práticas de violência simbólica da cultura de dominação masculina: Uma interpretação comportamentalista. Acta Comportamentalia, 28(4), 499–515. https://doi.org/10.32870/ac.v28i4.77327

Moreira, J., & Oliveira, P. (2023). Gaslighting e análise do comportamento: O reforçamento negativo como mecanismo de controle. Revista de Psicologia e Comportamento, 12(3), 45–59. https://doi.org/10.18761/pac29a09

Sidman, M. (1995). Coerção e suas implicações. Editorial Psy.

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Neurofeedback e Condicionamento Operante: Exploração de Mecanismos e Desafios para a Eficácia Terapêutica


Ilustração hipotética de uma sessão de neurofeedback. Um homem sentado com eletrodos na cabeça e conectados à um aparelho enquanto outro homem o observa a sessão com uma prancheta na mão. 

Fonte: Imagem gerada pela Inteligência Artificial “ChatGPT” em 16/10/2024

 

Deivid Regis dos Santos

Clínica de Psicologia Attento – Bem Estar e Desenvolvimento Humano

Verônica Bender Haydu

Universidade Estadual de Londrina


A Análise do Comportamento tem estabelecido um diálogo cada vez mais amplo com diversas ciências, como Biologia, Economia e Neurociências (Cihon & Mattaini, 2020). Nesse contexto interdisciplinar, surgem e são aplicadas diferentes práticas de intervenção. O neurofeedback, também conhecido como biofeedback das ondas cerebrais, é uma dessas intervenções. Essa intervenção tem se mostrado promissora para promover mudanças permanentes na atividade cerebral. No entanto, sua eficácia depende de uma compreensão mais aprofundada dos mecanismos envolvidos.

 O neurofeedback é uma técnica de neuromodulação que utiliza eletrodos para captar, em tempo real, informações sobre a atividade cerebral do indivíduo (Enriquez-Geppertet al. (2017). Essas informações são processadas por um amplificador e enviadas para um software, que identifica as regiões do cérebro em que as ondas estão atuando. A partir disso, o clínico pode programar quais tipos de ondas devem ser aumentadas ou reduzidas em áreas específicas, oferecendo ao paciente feedback visual ou auditivo. O termo “neurofeedback” surge justamente porque o paciente recebe, em tempo real, um retorno sobre o que está acontecendo em seu cérebro

Com a prática regular, o neurofeedback pode, por meio da neuroplasticidade, promover mudanças permanentes no padrão de atividade cerebral, conforme especificou Hammond (2007). Clínicos têm utilizado essa técnica no tratamento de condições como TDAH, depressão, ansiedade, Alzheimer, autismo, além de melhorar o desempenho de atletas que buscam maior foco, autocontrole e velocidade de resposta. E pesquisadores como Vilou et al. (2023) têm sugerido que o neurofeedback pode ser entendido como um processo de condicionamento operante, uma vez que as consequências imediatas das respostas fisiológicas — como o feedback auditivo ou visual — influenciam a frequência futura dessas respostas em áreas específicas do cérebro. Assim como no condicionamento operante, no neurofeedback o paciente é exposto a estímulos imediatos (visuais ou sonoros), que aumentam ou diminuem a probabilidade de certos padrões de atividade cerebral se repetirem. Dessa forma, o cérebro aprende a autorregular suas ondas em resposta às consequências imediatas oferecidas pelo feedback.

Embora muitos defendam a ideia de que o neurofeedback pode ser explicado pelo condicionamento operante, poucos autores exploram premissas essenciais para caracteriza-lo como um processo operante. Análises dos processos de reforço, de discriminação e generalização de estímulos e da extinção após a suspensão do feedback são fundamentais. Além desses processos, devem ser consideradas as operações estabelecedoras (cf. Michael, 1993), as quais afetam o valor reforçador das consequências, tendo a qualidade do reforço um papel importante na probabilidade de as respostas serem repetidas. Análises dessa natureza fornecem conhecimento que contribuem para aumentar a qualidade das intervenções.

Diante dessas considerações, destaca-se que o neurofeedback é uma intervenção terapêutica promissora. No entanto, para maximizar sua eficácia, é crucial aprofundar o entendimento dos mecanismos envolvidos, bem como investigar fatores críticos, como a qualidade do feedback, sua generalização para além das sessões, os processos de extinção e possíveis esquemas de reforço.

 Referências

Cihon, T. M., & Mattaini, M. A. (Eds.). (2020). Behavior science perspectives on culture and community. Springer.

Enriquez-Geppert, S., Huster, R. J., & Herrmann, C. S. (2017). EEG-neurofeedback as a tool to modulate cognition and behavior: a review tutorial. Frontiers in Human Neuroscience, 11, 51. https://doi.org/10.3389/fnhum.2017.00051

Hammond, D. C. (2007). What is neurofeedback? Journal of Neurotherapy, 10(4), 25-36. https://doi.org/10.1300/J184v10n04_04

Michael, J. (1993). Establishing operations. The Behavior Analyst, 16(2), 191-206. https://doi.org/10.1007/BF03392623

Vilou, I., Varka, A., Parisis, D., Afrantou, T., & Ioannidis, P. (2023). EEG-neurofeedback as a potential therapeutic approach for cognitive deficits in patients with dementia, multiple sclerosis, stroke and traumatic brain injury. Life, 13(2), 365. https://doi.org/10.3390/life13020365

domingo, 21 de abril de 2024

Clube da Caçamba - um projeto de divulgação de conhecimento científico da UEL: minha experiência de coordenação



Verônica Bender Haydu

     Durante a pandemia da Covid-19, os/as quatro estagiários(as) que eu supervisionava, assim como todos os estudantes do nosso país e de países afetados pela pandemia, não puderam realizar seus estágios obrigatórios. Isso levou aqueles(as) que estavam sob a minha supervisão, depois da elaboração de três projetos não executáveis, a proporem o desenvolvimento de páginas em mídias sociais para a divulgação de conhecimento científico. A proposta inicial focalizou a produção de postagens (reels e carroceis) sobre a gestão de resíduos sólidos da construção e demolição civil, por isso, o nome "Clube da Caçamba".

A proposta considerou como relevante o fato de o impacto das mídias sociais ser significativo para a divulgação de uma grande variedade de temas. No Brasil, por exemplo, havia no início de janeiro de 2023181,8 milhões de usuários de Internet, cerca de 84,3% da população brasileira, dos quais 152,4 milhões são usuários de mídias sociais, totalizando cerca de 70% da população (Kemp, 2023). Devido a esse potencial, divulgar conhecimentos científico e buscar a inserção social de acadêmicos na comunidade em geral, nos pareceu uma excelente forma de atuação de estagiários do curso de Psicologia.

 A divulgação por meio das redes sociais possibilita disseminar informações científicas para quem tem acesso a esse tipo de mídia, favorece a formação de equipes e a articulação da realidade dos estudantes com a comunidade. O trabalho de estágio de uma estudante das que propuseram o Clube da Caçamba continuou no ano seguinte, enquanto novos estudantes ingressaram e passaram a atuar, agora na modalidade “Atividade Acadêmica Complementar”. No entanto, para formalizar mais apropriadamente o que vinha sendo realizado, senti necessidade de transformar nossas atividades em um projeto de extensão. Assim, fiz o cadastro do projeto na Pró-Reitoria de Extensão da UEL, com o seguinte título “Clube da Caçamba - UEL: Promovendo Contingências Comportamentais Entrelaçadas e a Divulgação por Mídias Sociais de Conteúdos Relevantes para a Educação Ambiental”. Nessa ocasião, contávamos com a participação de 12 estudantes de graduação, um doutorando e uma estagiária de pós-doutorado.

O projeto de extensão Clube da Caçamba continua focalizando a questão da gestão de resíduos, mas agora se estende aos mais variados temas relacionados à preservação ambiental e ao desenvolvimento sustentável. Uma meta que surgiu ao longo de seu desenvolvimento foi fornecer modelo para que projetos semelhantes possam ser criados por estudantes e professores de outras instituições de ensino. Para isso, foi desenvolvido um manual (Haydu et al., 2024) e a divulgação desse modelo tem sido feito em eventos científicos, como no Encontro Anual da ABPMC, no Congresso de Psicologia da UEL, e em entrevistas como na Webinar Psico Sustentável.

Atualmente, o Clube da Caçamba conta com a participação de 15 estudantes de graduação, tendo havido o desligamento de alguns enquanto novos membros passaram a fazer parte. Além dos estudantes de graduação, contamos atualmente com três pós-graduandos do Programa de Pós-Graduação em Análise do Comportamento, duas professoras e um professor do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento. Essa ampliação e o seu funcionamento permitiu descrever o projeto como uma metacontingência (ver Haydu et al., 2024), estabelecida pela promoção do entrelaçamento de contingências entre os comportamentos de estudantes, de professores e de seguidores das páginas da Internet, seus produtos agregados e as consequências culturais produzidas.

Coordenar o Clube da Caçamba - UEL tem sido uma experiência muito gratificante, principalmente no que se refere ao envolvimento dos estudantes e a empolgação que mostram com as possibilidades que o projeto tem oferecido. Descrever e compreender as interações dos membros do projeto em termos de metacontingência, bem como, avaliar como ela se estabeleceu e se modifica ao longo do tempo, tem sido uma experiência muito gratificante que pode resultar em desdobramentos relevantes para a análise comportamental da cultura.

 Referências

Haydu, V. B., Celli, L., da Costa Júnior, E. M., Santos, D. S., & Melo, C. M. (2024). Manual do projeto de extensão Clube da Caçamba. UEL. https://www.researchgate.net/publication/377889833_manual_do_projeto_de_extensao_clube_da_cacamba

 Haydu, V. B., Melo, C. M., Maia, N. N., Celli, L., Macedo, R. P., & de Freitas, M. C. (2024). Desenvolvimento sustentável e análise do comportamento: entrelaçamento de contingências comportamentais para a educação ambiental. W. L. Filho et al. (Orgs.), A Teoria e a Prática de Desenvolvimento Sustentável (pp. 20-28). Rima.

Kemp, S. (2023). Digital 2023: Brazil. https://datareportal.com/reports/digital-2023-brazil?rq=DIGITAL%202023%3A%20BRAZIL

 

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Memória: lembrar e esquecer

Fonte: Ilustração gerada pela Inteligência Artificial “DALL·E”, modificada em 05/01/2024

 

Verônica Bender Haydu    

Quando falamos em lembrar ou esquecer pensamos em memória, que por sua vez, nos faz pensar em recuperar, armazenar, imaginar, codificar e outros termos desse tipo. Essas expressões fazem parte de nossa linguagem coloquial e estão relacionados a uma forma de conceituar memória como sendo um lugar, um espaço ou uma parte do cérebro onde as informações estão armazenadas. A memória é ainda, com freqüência, considerada como sendo um construto que mantém status físico, assumindo função causal. Por exemplo, considera-se que as pessoas se comportam de determinadas formas porque têm ou não têm uma boa memória.

Essas formas de conceituar memória diferem da forma como o analista do comportamento o faz, pois, em princípio, o sujeito nesta visão é o locus onde variáveis independentes manipuláveis têm seus efeitos e não o locus de onde o comportamento emerge. E devido às implicações estruturalistas do termo memória, ele é evitado pela maioria dos analistas do comportamento, sendo os termos lembrar e recordar mais usados. Esses termos – lembrar e recordar - deixam claro que estamos nos referindo a um processo e não a uma estrutura, ou seja, que nosso objeto de estudo é um comportamento.

Considerar memória como um comportamento permite analisá-lo funcionalmente e permite, portanto, predição e influência. A análise funcional de um comportamento consiste em observar e descrever as relações que o organismo mantém com o ambiente, havendo a necessidade da descrição do comportamento emitido e de como ele é colocado e/ou mantido sob o controle de estímulos. A análise pode ser de comportamentos dos outros ou do próprio comportamento e pode ser de comportamentos abertos ou encobertos. Há ainda, a possibilidade de serem os comportamentos sob análise, eventos atuais ou eventos vivenciados anteriormente. Assim, o próprio indivíduo pode estar se comportando e ser aquele que analisa funcionalmente o comportamento.

A análise funcional do comportamento permite, portanto, identificar as variáveis das quais o comportamento é função e arranjar as contingências ambientais para aumentar a probabilidade de recordar um fato ou um comportamento esquecido. Ou seja, emitir respostas precorrentes do recordar que levam à alteração das condições ambientais e tornam a resposta a ser recordada mais provável. 

Para leitura adicional ver:

Aggio, N. M., & Varella, A. A. B. (2012). A memória e a retenção da aprendizagem por pessoas com Deficiência Intelectual. DI-Revista de Deficiência Intelectual, 3(2), 20-23. https://www.calameo.com/read/0013472525e8d0cc50a5b

Aggio, N. M.; Varella, A. A., Silveira, M. V., Rico, V. V., de Rose, J. C. C. (2014). Memória sob a ótica analítico comportamental. In L. M. H. Sadi & C. Vichi. (Org.). Comportamento em Foco (v. 14, p. 421-432). ABPMC. https://abpmc.org.br/comportamento-em-foco/

Leite, E. F. da C., & Micheletto, N. (2019). Criatividade para Skinner como um comportamento complexo encadeado: semelhanças e diferenças com resolução de problemas, autocontrole, tomada de decisão e recordar. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 21(3), 372–389. https://doi.org/10.31505/rbtcc.v21i3.1325


quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Os operantes de pequena escala


 Ilustração hipotética de um experimento com eletrodos na mão, gerada pela Inteligência Artificial “DALL·E”, modificada em 29/11/2023.

Wildson Cardoso Assunção
Carlos Eduardo Costa
Verônica Bender Haydu
 

Para os analistas do comportamento, o termo "comportamento operante" é definido como o comportamento que envolve a interação entre uma resposta do organismo e o ambiente, produzindo consequências, as quais afetam a probabilidade de emissão de novas respostas da mesma classe operante (Cooper et al. 2020; Skinner, 1957). Um campo de estudo interessante no domínio do comportamento são os operantes de pequena escala, também chamados de “operantes encobertos" (cf. Hefferline & Keenan, 1963), que envolvem respostas muito sutis e muitas vezes não observáveis diretamente, mas que podem ser detectados e analisados por meio de aparelhos específicos.

No experimento conduzido por Hefferline e Keenan (1963), foi avaliado o condicionamento de minúsculas contrações no polegar dos participantes utilizando um reforçador secundário (i.e., pontos trocados por dinheiro). Os participantes foram informados que o objetivo era medir sua habilidade para relaxar e que pontos seriam exibidos em um monitor à sua frente, quanto mais estivessem relaxados. Três eletrodos foram conectados na base palmar do polegar esquerdo, na borda medial da esquerda da mão e no lóbulo da orelha esquerda do participante, mas somente um deles estava ativo (o eletrodo colocado no polegar esquerdo).

O procedimento teve três fases: (a) nível operante (NO) - consistia em medir, por meio da detecção eletromiográfica, a frequência de microcontrações do polegar esquerdo sem a liberação de pontos no monitor; (b) condicionamento - pontos eram liberados no monitor para as microcontrações do polegar esquerdo; (c) extinção - a liberação dos pontos era suspensa. Os resultados indicaram que durante o NO, as microcontrações do polegar eram pouco frequentes, mas aumentaram quando os pontos começaram a ser liberados para as ocorrências das microcontrações e diminuíram quando os pontos deixaram de ser liberados. Ao final do experimento, os participantes foram questionados sobre qual era a condição em que eles haviam notado ter acesso aos pontos no monitor; nenhum deles soube responder corretamente. Esse dado indica que tanto o condicionamento da microcontração quanto sua extinção não ocorrem de maneira “consciente”, isto é, de forma que o indivíduo pudesse ser capaz de relatar o que ocorreu.

O aspecto importante desse experimento é o fato de que os organismos, como um todo, são sensíveis às consequências de seus comportamentos. Em uma perspectiva analítico-comportamental, um comportamento pode ser descrito como “inconsciente” no sentido de que aquele que se comporta não é capaz de descrever as variáveis da qual seu comportamento é função - às vezes não é capaz de descrever nem o que fez em certo contexto. O experimento de Hefferline e Keenan (1963) demonstra isso elegantemente.

 

Referências

Cooper, J. O., Heron, T. E., & Heward (2020). Applied Behavior Analysis (3rd ed.). Pearson.

Hefferline, R. F., & Keenan, B. (1963). Amplitude-induction gradient of a small-scale (covert) operant. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 6(3), 307–315. https://doi.org/10.1901/jeab.1963.6-307

Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. Copley Publishing Group



domingo, 17 de setembro de 2023

A extinção de respostas ansiogênicas como consequência da prática de mindfulness


Um homem meditando. A posição das mãos visa mais conforto do que uma representação religiosa. 
Fonte: imagem gerada com a Inteligência Artificial “DALL·E 2” em 05/09/2023.

Wildson Cardoso Assunção
Camilla Sant’Anna da Silva
Verônica Bender Haydu


Podemos considerar o treinamento em mindfulness como um meio viável no tratamento de distúrbios envolvendo medo e ansiedade? Como uma análise funcional do comportamento nos permite fazer essa descrição? Quais princípios podem ser considerados?

Vamos considerar alguns dos princípios da Análise do Comportamento.

A extinção respondente consiste no enfraquecimento de uma resposta reflexa devido à apresentação repetida do estímulo eliciador condicional sem emparelhá-lo com o estímulo eliciador incondicional. A extinção operante consiste na redução da frequência ou cessação de uma resposta operante devido à suspensão do reforço que anteriormente mantinha essa resposta (Sturmey et al., 2020). Resistência à extinção, por sua vez, ocorre quando a emissão da resposta previamente condicionada persiste, mesmo quando ela não é mais reforçada.

Conforme enfatizado por Petscher et al. (2008), a extinção pode produzir efeitos indesejáveis quando utilizada isoladamente em contextos clínicos e educacionais. Devido a esse aspecto, além do uso de programas de reforço, alguns analistas do comportamento (e.g., Fuller & Fitter 2020; Kasson & Wilson, 2017) propuseram uma alternativa para diversos contextos que consiste na prática de mindfulness (meditação guiada).

Em um estudo desenvolvido por Björkstrand et al. (2019), tomado como exemplo, foi demonstrado que a mindfulness não só facilitou a extinção de comportamentos ansiosos, mas também diminuiu a taxa de recuperação espontânea de tais respostas. Os participantes foram distribuídos em dois grupos e um praticou meditação guiada diariamente por um período de 10 a 20 minutos durante quatro semanas. Ambos os grupos passaram por um procedimento de condicionamento pavloviano aversivo, seguido de um procedimento de extinção e o grupo experimental apresentou uma retenção significativamente melhor da aprendizagem de extinção do que o grupo controle.

Além desses achados, a influência da mindfulness na sensibilidade à mudança de contingências e na redução da ressurgência comportamental (comportamento que volta a ocorrer em condições similares à aprendizagem inicial) foi investigada por McHugh et al. (2012). Nesse estudo, participantes foram treinados sob diferentes esquemas de reforço e depois expostos a tarefas de atenção focada (mindfulness) ou desfocada. No esquema de extinção, o grupo com atenção focada mostrou extinção rápida e menor ressurgência comportamental que o grupo controle.

Ambos os estudos, de Björkstrand et al. (2019) e o de McHugh (2012) são relevantes porque enfatizam princípios fundamentais da Análise do Comportamento aplicados a uma intervenção clínica, ilustrando como a mindfulness pode ter um potencial significativo para analistas do comportamento.

Referências

Björkstrand, J., Schiller, D., Li, J. et al. (2019). The effect of mindfulness training on extinction retention. Scientific Reports 9, 19896 . https://doi.org/10.1038/s41598-019-56167-7.

Fuller, J. L., & Fitter, E. A. (2020). Mindful Parenting: A Behavioral Tool for Parent Well-Being. Behavior Analysis in Practice, 13, 767-771. https://doi.org/10.1007/s40617-020-00447-6.

 Kasson, E. M., & Wilson, A. N. (2016). Preliminary Evidence on the Efficacy of Mindfulness Combined with Traditional Classroom Management Strategies. Behavior Analysis in Practice, 10(3), 242-251. https://doi.org/10.1007/s40617-016-0160-x.

McHugh, L. et al. (2012). The effect of mindfulness on extinction and behavioral resurgence. Learning & Behavior, v. 40, n. 4, p. 405-415. https://doi.org/10.3758/s13420-011-0062-2.

 Petscher, E. S., Rey, C., & Bailey, J. S. (2009). A review of empirical support for differential reinforcement of alternative behavior. Research in Developmental Disabilities, 30(3), 409–425. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2008.08.008

 Sturmey, P., Ward-Horner, J., & Doran, E. (2020). Respondent and operant behavior. In P. Sturmey (Ed.), Functional Analysis in Clinical Treatment (Second Edition) (pp. 25-56). Academic Press. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-805469-7.00002-4