quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Neurofeedback e Condicionamento Operante: Exploração de Mecanismos e Desafios para a Eficácia Terapêutica


Ilustração hipotética de uma sessão de neurofeedback. Um homem sentado com eletrodos na cabeça e conectados à um aparelho enquanto outro homem o observa a sessão com uma prancheta na mão. Imagem gerada pela Inteligência Artificial “ChatGPT” em 16/10/2024.

 Deivid Regis dos Santos

Clínica de Psicologia Attento – Bem Estar e Desenvolvimento Humano

Verônica Bender Haydu

Universidade Estadual de Londrina


A Análise do Comportamento tem estabelecido um diálogo cada vez mais amplo com diversas ciências, como Biologia, Economia e Neurociências (Cihon & Mattaini, 2020). Nesse contexto interdisciplinar, surgem e são aplicadas diferentes práticas de intervenção. O neurofeedback, também conhecido como biofeedback das ondas cerebrais, é uma dessas intervenções. Essa intervenção tem se mostrado promissora para promover mudanças permanentes na atividade cerebral. No entanto, sua eficácia depende de uma compreensão mais aprofundada dos mecanismos envolvidos.

 O neurofeedback é uma técnica de neuromodulação que utiliza eletrodos para captar, em tempo real, informações sobre a atividade cerebral do indivíduo (Enriquez-Geppertet al. (2017). Essas informações são processadas por um amplificador e enviadas para um software, que identifica as regiões do cérebro em que as ondas estão atuando. A partir disso, o clínico pode programar quais tipos de ondas devem ser aumentadas ou reduzidas em áreas específicas, oferecendo ao paciente feedback visual ou auditivo. O termo “neurofeedback” surge justamente porque o paciente recebe, em tempo real, um retorno sobre o que está acontecendo em seu cérebro

Com a prática regular, o neurofeedback pode, por meio da neuroplasticidade, promover mudanças permanentes no padrão de atividade cerebral, conforme especificou Hammond (2007). Clínicos têm utilizado essa técnica no tratamento de condições como TDAH, depressão, ansiedade, Alzheimer, autismo, além de melhorar o desempenho de atletas que buscam maior foco, autocontrole e velocidade de resposta. E pesquisadores como Vilou et al. (2023) têm sugerido que o neurofeedback pode ser entendido como um processo de condicionamento operante, uma vez que as consequências imediatas das respostas fisiológicas — como o feedback auditivo ou visual — influenciam a frequência futura dessas respostas em áreas específicas do cérebro. Assim como no condicionamento operante, no neurofeedback o paciente é exposto a estímulos imediatos (visuais ou sonoros), que aumentam ou diminuem a probabilidade de certos padrões de atividade cerebral se repetirem. Dessa forma, o cérebro aprende a autorregular suas ondas em resposta às consequências imediatas oferecidas pelo feedback.

Embora muitos defendam a ideia de que o neurofeedback pode ser explicado pelo condicionamento operante, poucos autores exploram premissas essenciais para caracteriza-lo como um processo operante. Análises dos processos de reforço, de discriminação e generalização de estímulos e da extinção após a suspensão do feedback são fundamentais. Além desses processos, devem ser consideradas as operações estabelecedoras (cf. Michael, 1993), as quais afetam o valor reforçador das consequências, tendo a qualidade do reforço um papel importante na probabilidade de as respostas serem repetidas. Análises dessa natureza fornecem conhecimento que contribuem para aumentar a qualidade das intervenções.

Diante dessas considerações, destaca-se que o neurofeedback é uma intervenção terapêutica promissora. No entanto, para maximizar sua eficácia, é crucial aprofundar o entendimento dos mecanismos envolvidos, bem como investigar fatores críticos, como a qualidade do feedback, sua generalização para além das sessões, os processos de extinção e possíveis esquemas de reforço.

 Referências

Cihon, T. M., & Mattaini, M. A. (Eds.). (2020). Behavior science perspectives on culture and community. Springer.

Enriquez-Geppert, S., Huster, R. J., & Herrmann, C. S. (2017). EEG-neurofeedback as a tool to modulate cognition and behavior: a review tutorial. Frontiers in Human Neuroscience, 11, 51. https://doi.org/10.3389/fnhum.2017.00051

Hammond, D. C. (2007). What is neurofeedback? Journal of Neurotherapy, 10(4), 25-36. https://doi.org/10.1300/J184v10n04_04

Michael, J. (1993). Establishing operations. The Behavior Analyst, 16(2), 191-206. https://doi.org/10.1007/BF03392623

Vilou, I., Varka, A., Parisis, D., Afrantou, T., & Ioannidis, P. (2023). EEG-neurofeedback as a potential therapeutic approach for cognitive deficits in patients with dementia, multiple sclerosis, stroke and traumatic brain injury. Life, 13(2), 365. https://doi.org/10.3390/life13020365

domingo, 21 de abril de 2024

Clube da Caçamba - um projeto de divulgação de conhecimento científico da UEL: minha experiência de coordenação



Verônica Bender Haydu

     Durante a pandemia da Covid-19, os/as quatro estagiários(as) que eu supervisionava, assim como todos os estudantes do nosso país e de países afetados pela pandemia, não puderam realizar seus estágios obrigatórios. Isso levou aqueles(as) que estavam sob a minha supervisão, depois da elaboração de três projetos não executáveis, a proporem o desenvolvimento de páginas em mídias sociais para a divulgação de conhecimento científico. A proposta inicial focalizou a produção de postagens (reels e carroceis) sobre a gestão de resíduos sólidos da construção e demolição civil, por isso, o nome "Clube da Caçamba".

A proposta considerou como relevante o fato de o impacto das mídias sociais ser significativo para a divulgação de uma grande variedade de temas. No Brasil, por exemplo, havia no início de janeiro de 2023181,8 milhões de usuários de Internet, cerca de 84,3% da população brasileira, dos quais 152,4 milhões são usuários de mídias sociais, totalizando cerca de 70% da população (Kemp, 2023). Devido a esse potencial, divulgar conhecimentos científico e buscar a inserção social de acadêmicos na comunidade em geral, nos pareceu uma excelente forma de atuação de estagiários do curso de Psicologia.

 A divulgação por meio das redes sociais possibilita disseminar informações científicas para quem tem acesso a esse tipo de mídia, favorece a formação de equipes e a articulação da realidade dos estudantes com a comunidade. O trabalho de estágio de uma estudante das que propuseram o Clube da Caçamba continuou no ano seguinte, enquanto novos estudantes ingressaram e passaram a atuar, agora na modalidade “Atividade Acadêmica Complementar”. No entanto, para formalizar mais apropriadamente o que vinha sendo realizado, senti necessidade de transformar nossas atividades em um projeto de extensão. Assim, fiz o cadastro do projeto na Pró-Reitoria de Extensão da UEL, com o seguinte título “Clube da Caçamba-UEL: Promovendo Contingências Comportamentais Entrelaçadas e a Divulgação por Mídias Sociais de Conteúdos Relevantes para a Educação Ambiental”. Nessa ocasião, contávamos com a participação de 12 estudantes de graduação, um doutorando e uma estagiária de pós-doutorado.

O projeto de extensão Clube da Caçamba continua focalizando a questão da gestão de resíduos, mas agora se estende aos mais variados temas relacionados à preservação ambiental e ao desenvolvimento sustentável. Uma meta que surgiu ao longo de seu desenvolvimento foi fornecer modelo para que projetos semelhantes possam ser criados por estudantes e professores de outras instituições de ensino. Para isso, foi desenvolvido um manual (Haydu et al., 2024) e a divulgação desse modelo tem sido feito em eventos científicos, como no Encontro Anual da ABPMC, no Congresso de Psicologia da UEL, e em entrevistas como na Webinar Psico Sustentável.

Atualmente, o Clube da Caçamba conta com a participação de 15 estudantes de graduação, tendo havido o desligamento de alguns enquanto novos membros passaram a fazer parte. Além dos estudantes de graduação, contamos atualmente com três pós-graduandos do Programa de Pós-Graduação em Análise do Comportamento, duas professoras e um professor do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento. Essa ampliação e o seu funcionamento permitiu descrever o projeto como uma metacontingência (ver Haydu et al., 2024), estabelecida pela promoção do entrelaçamento de contingências entre os comportamentos de estudantes, de professores e de seguidores das páginas da Internet, seus produtos agregados e as consequências culturais produzidas.

Coordenar o Clube da Caçamba tem sido uma experiência muito gratificante, principalmente no que se refere ao envolvimento dos estudantes e a empolgação que mostram com as possibilidades que o projeto tem oferecido. Descrever e compreender as interações dos membros do projeto em termos de metacontingência, bem como, avaliar como ela se estabeleceu e se modifica ao longo do tempo, tem sido uma experiência muito gratificante que pode resultar em desdobramentos relevantes para a análise comportamental da cultura.

 Referências

Haydu, V. B., Celli, L., da Costa Júnior, E. M., Santos, D. S., & Melo, C. M. (2024). Manual do projeto de extensão Clube da Caçamba. UEL. https://www.researchgate.net/publication/377889833_manual_do_projeto_de_extensao_clube_da_cacamba

 Haydu, V. B., Melo, C. M., Maia, N. N., Celli, L., Macedo, R. P., & de Freitas, M. C. (2024). Desenvolvimento sustentável e análise do comportamento: entrelaçamento de contingências comportamentais para a educação ambiental. W. L. Filho et al. (Orgs.), A Teoria e a Prática de Desenvolvimento Sustentável (pp. 20-28). Rima.

Kemp, S. (2023). Digital 2023: Brazil. https://datareportal.com/reports/digital-2023-brazil?rq=DIGITAL%202023%3A%20BRAZIL

 

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Memória: lembrar e esquecer

  Ilustração gerada pela Inteligência Artificial “DALL·E”, modificada em 05/01/2024

 

Verônica Bender Haydu    

Quando falamos em lembrar ou esquecer pensamos em memória, que por sua vez, nos faz pensar em recuperar, armazenar, imaginar, codificar e outros termos desse tipo. Essas expressões fazem parte de nossa linguagem coloquial e estão relacionados a uma forma de conceituar memória como sendo um lugar, um espaço ou uma parte do cérebro onde as informações estão armazenadas. A memória é ainda, com freqüência, considerada como sendo um construto que mantém status físico, assumindo função causal. Por exemplo, considera-se que as pessoas se comportam de determinadas formas porque têm ou não têm uma boa memória.

Essas formas de conceituar memória diferem da forma como o analista do comportamento o faz, pois, em princípio, o sujeito nesta visão é o locus onde variáveis independentes manipuláveis têm seus efeitos e não o locus de onde o comportamento emerge. E devido às implicações estruturalistas do termo memória, ele é evitado pela maioria dos analistas do comportamento, sendo os termos lembrar e recordar mais usados. Esses termos – lembrar e recordar - deixam claro que estamos nos referindo a um processo e não a uma estrutura, ou seja, que nosso objeto de estudo é um comportamento.

Considerar memória como um comportamento permite analisá-lo funcionalmente e permite, portanto, predição e influência. A análise funcional de um comportamento consiste em observar e descrever as relações que o organismo mantém com o ambiente, havendo a necessidade da descrição do comportamento emitido e de como ele é colocado e/ou mantido sob o controle de estímulos. A análise pode ser de comportamentos dos outros ou do próprio comportamento e pode ser de comportamentos abertos ou encobertos. Há ainda, a possibilidade de serem os comportamentos sob análise, eventos atuais ou eventos vivenciados anteriormente. Assim, o próprio indivíduo pode estar se comportando e ser aquele que analisa funcionalmente o comportamento.

A análise funcional do comportamento permite, portanto, identificar as variáveis das quais o comportamento é função e arranjar as contingências ambientais para aumentar a probabilidade de recordar um fato ou um comportamento esquecido. Ou seja, emitir respostas precorrentes do recordar que levam à alteração das condições ambientais e tornam a resposta a ser recordada mais provável. 

Para leitura adicional ver:

Aggio, N. M., & Varella, A. A. B. (2012). A memória e a retenção da aprendizagem por pessoas com Deficiência Intelectual. DI-Revista de Deficiência Intelectual, 3(2), 20-23. https://www.calameo.com/read/0013472525e8d0cc50a5b

Aggio, N. M.; Varella, A. A., Silveira, M. V., Rico, V. V., de Rose, J. C. C. (2014). Memória sob a ótica analítico comportamental. In L. M. H. Sadi & C. Vichi. (Org.). Comportamento em Foco (v. 14, p. 421-432). ABPMC. https://abpmc.org.br/comportamento-em-foco/

Leite, E. F. da C., & Micheletto, N. (2019). Criatividade para Skinner como um comportamento complexo encadeado: semelhanças e diferenças com resolução de problemas, autocontrole, tomada de decisão e recordar. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 21(3), 372–389. https://doi.org/10.31505/rbtcc.v21i3.1325