quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Os operantes de pequena escala


 Ilustração hipotética de um experimento com eletrodos na mão, gerada pela Inteligência Artificial “DALL·E”, modificada em 29/11/2023.

Wildson Cardoso Assunção
Carlos Eduardo Costa
Verônica Bender Haydu
 

Para os analistas do comportamento, o termo "comportamento operante" é definido como o comportamento que envolve a interação entre uma resposta do organismo e o ambiente, produzindo consequências, as quais afetam a probabilidade de emissão de novas respostas da mesma classe operante (Cooper et al. 2020; Skinner, 1957). Um campo de estudo interessante no domínio do comportamento são os operantes de pequena escala, também chamados de “operantes encobertos" (cf. Hefferline & Keenan, 1963), que envolvem respostas muito sutis e muitas vezes não observáveis diretamente, mas que podem ser detectados e analisados por meio de aparelhos específicos.

No experimento conduzido por Hefferline e Keenan (1963), foi avaliado o condicionamento de minúsculas contrações no polegar dos participantes utilizando um reforçador secundário (i.e., pontos trocados por dinheiro). Os participantes foram informados que o objetivo era medir sua habilidade para relaxar e que pontos seriam exibidos em um monitor à sua frente, quanto mais estivessem relaxados. Três eletrodos foram conectados na base palmar do polegar esquerdo, na borda medial da esquerda da mão e no lóbulo da orelha esquerda do participante, mas somente um deles estava ativo (o eletrodo colocado no polegar esquerdo).

O procedimento teve três fases: (a) nível operante (NO) - consistia em medir, por meio da detecção eletromiográfica, a frequência de microcontrações do polegar esquerdo sem a liberação de pontos no monitor; (b) condicionamento - pontos eram liberados no monitor para as microcontrações do polegar esquerdo; (c) extinção - a liberação dos pontos era suspensa. Os resultados indicaram que durante o NO, as microcontrações do polegar eram pouco frequentes, mas aumentaram quando os pontos começaram a ser liberados para as ocorrências das microcontrações e diminuíram quando os pontos deixaram de ser liberados. Ao final do experimento, os participantes foram questionados sobre qual era a condição em que eles haviam notado ter acesso aos pontos no monitor; nenhum deles soube responder corretamente. Esse dado indica que tanto o condicionamento da microcontração quanto sua extinção não ocorrem de maneira “consciente”, isto é, de forma que o indivíduo pudesse ser capaz de relatar o que ocorreu.

O aspecto importante desse experimento é o fato de que os organismos, como um todo, são sensíveis às consequências de seus comportamentos. Em uma perspectiva analítico-comportamental, um comportamento pode ser descrito como “inconsciente” no sentido de que aquele que se comporta não é capaz de descrever as variáveis da qual seu comportamento é função - às vezes não é capaz de descrever nem o que fez em certo contexto. O experimento de Hefferline e Keenan (1963) demonstra isso elegantemente.

 

Referências

Cooper, J. O., Heron, T. E., & Heward (2020). Applied Behavior Analysis (3rd ed.). Pearson.

Hefferline, R. F., & Keenan, B. (1963). Amplitude-induction gradient of a small-scale (covert) operant. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 6(3), 307–315. https://doi.org/10.1901/jeab.1963.6-307

Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. Copley Publishing Group.



domingo, 17 de setembro de 2023

A extinção de respostas ansiogênicas como consequência da prática de mindfulness


Um homem meditando. A posição das mãos visa mais conforto do que uma representação religiosa. Essa imagem foi gerada com a Inteligência Artificial “DALL·E 2” em 05/09/2023.

Wildson Cardoso Assunção
Camilla Sant’Anna da Silva
Verônica Bender Haydu


Podemos considerar o treinamento em mindfulness como um meio viável no tratamento de distúrbios envolvendo medo e ansiedade? Como uma análise funcional do comportamento nos permite fazer essa descrição? Quais princípios podem ser considerados?

Vamos considerar alguns dos princípios da Análise do Comportamento.

A extinção respondente consiste no enfraquecimento de uma resposta reflexa devido à apresentação repetida do estímulo eliciador condicional sem emparelhá-lo com o estímulo eliciador incondicional. A extinção operante consiste na redução da frequência ou cessação de uma resposta operante devido à suspensão do reforço que anteriormente mantinha essa resposta (Sturmey et al., 2020). Resistência à extinção, por sua vez, ocorre quando a emissão da resposta previamente condicionada persiste, mesmo quando ela não é mais reforçada.

Conforme enfatizado por Petscher et al. (2008), a extinção pode produzir efeitos indesejáveis quando utilizada isoladamente em contextos clínicos e educacionais. Devido a esse aspecto, além do uso de programas de reforço, alguns analistas do comportamento (e.g., Fuller & Fitter 2020; Kasson & Wilson, 2017) propuseram uma alternativa para diversos contextos que consiste na prática de mindfulness (meditação guiada).

Em um estudo desenvolvido por Björkstrand et al. (2019), tomado como exemplo, foi demonstrado que a mindfulness não só facilitou a extinção de comportamentos ansiosos, mas também diminuiu a taxa de recuperação espontânea de tais respostas. Os participantes foram distribuídos em dois grupos e um praticou meditação guiada diariamente por um período de 10 a 20 minutos durante quatro semanas. Ambos os grupos passaram por um procedimento de condicionamento pavloviano aversivo, seguido de um procedimento de extinção e o grupo experimental apresentou uma retenção significativamente melhor da aprendizagem de extinção do que o grupo controle.

Além desses achados, a influência da mindfulness na sensibilidade à mudança de contingências e na redução da ressurgência comportamental (comportamento que volta a ocorrer em condições similares à aprendizagem inicial) foi investigada por McHugh et al. (2012). Nesse estudo, participantes foram treinados sob diferentes esquemas de reforço e depois expostos a tarefas de atenção focada (mindfulness) ou desfocada. No esquema de extinção, o grupo com atenção focada mostrou extinção rápida e menor ressurgência comportamental que o grupo controle.

Ambos os estudos, de Björkstrand et al. (2019) e o de McHugh (2012) são relevantes porque enfatizam princípios fundamentais da Análise do Comportamento aplicados a uma intervenção clínica, ilustrando como a mindfulness pode ter um potencial significativo para analistas do comportamento.

Referências

Björkstrand, J., Schiller, D., Li, J. et al. (2019). The effect of mindfulness training on extinction retention. Scientific Reports 9, 19896 . https://doi.org/10.1038/s41598-019-56167-7.

Fuller, J. L., & Fitter, E. A. (2020). Mindful Parenting: A Behavioral Tool for Parent Well-Being. Behavior Analysis in Practice, 13, 767-771. https://doi.org/10.1007/s40617-020-00447-6.

 Kasson, E. M., & Wilson, A. N. (2016). Preliminary Evidence on the Efficacy of Mindfulness Combined with Traditional Classroom Management Strategies. Behavior Analysis in Practice, 10(3), 242-251. https://doi.org/10.1007/s40617-016-0160-x.

McHugh, L. et al. (2012). The effect of mindfulness on extinction and behavioral resurgence. Learning & Behavior, v. 40, n. 4, p. 405-415. https://doi.org/10.3758/s13420-011-0062-2.

 Petscher, E. S., Rey, C., & Bailey, J. S. (2009). A review of empirical support for differential reinforcement of alternative behavior. Research in Developmental Disabilities, 30(3), 409–425. https://doi.org/10.1016/j.ridd.2008.08.008

 Sturmey, P., Ward-Horner, J., & Doran, E. (2020). Respondent and operant behavior. In P. Sturmey (Ed.), Functional Analysis in Clinical Treatment (Second Edition) (pp. 25-56). Academic Press. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-805469-7.00002-4

segunda-feira, 24 de julho de 2023

Como um analista do comportamento pode atuar na prestação de cuidados paliativos?


 Uma paciente recebendo cuidados em um hospital. Essa imagem foi gerada pela Inteligência Artificial “DALL·E 2” em 22/07/2023.

Wildson Cardoso Assunção
Universidade Estadual de Londrina

Lidiane Diniz de Andrade
Universidade de Brasília

Verônica Bender Haydu
Universidade Estadual de Londrina

Muitos estudantes de Análise do Comportamento podem ter dúvidas de como atuar de maneira efetiva em um contexto hospitalar que requer a prestação de cuidados paliativos aos pacientes. Antes de tudo, é fundamental ressaltar que os cuidados paliativos não se limitam apenas a casos em que a pessoa está em fase terminal. Os cuidados paliativos consistem em uma abordagem especializada para tratar sintomas, desconfortos e sofrimentos associados a doenças graves, direcionados tanto ao paciente quanto aos familiares ou cuidadores (NINR, 2020). Embora essa definição ofereça uma direção para o tratamento, pode não ficar claro para um analista do comportamento como ele pode atender às demandas do contexto, ao mesmo tempo em que mantém seu compromisso epistemológico com sua abordagem.

  O analista do comportamento, segundo Reis e Knaut (2022), pode desempenhar um papel importante nos cuidados paliativos, por meio da utilização de  informações relacionadas ao diagnóstico, prognóstico e o tipo de tratamento do paciente. Além disso, ele pode realizar análises funcionais para identificar as contingências que o paciente e a família estão vivenciando e assim, compreender os comportamentos do paciente e suas interações com o ambiente. Com base nessa compreensão, os profissionais da Análise do Comportamento desenvolvem intervenções personalizadas, como treinamento de habilidades de enfrentamento, promoção de comportamentos de aceitação da doença, autonomia no tratamento e apoio na elaboração do processo de finitude e luto.

Sugere-se que, o analista do comportamento realize estudos para compreender como atuar  de forma específica em cada contexto, seja ele clínico, hospitalar ou domiciliar (home care). Ao integrar os métodos da Análise do Comportamento às práticas de cuidados paliativos, reforça-se o compromisso em oferecer suporte e melhorar a qualidade de vida dos pacientes e seus cuidadores, além de possibilitar a colaboração e auxílio a outros profissionais no trabalho interdisciplinar.

 

Referências

National Institute of Nursing Research/NINR. (2020). Palliative care: the relief you need when you have a serious illness. https://www.ninr.nih.gov/newsandinformation/publications/palliative-care-relief-for-serious-illness#:~:text=Palliative%20care%20is%20comprehensive%20treatment,improve%20your%20quality%20of%20life

Reis, B. d., & Knaut, J. d. F. F. (2022). Caracterização de variáveis envolvidas na atuação analítico-comportamental em contexto de cuidados paliativos. Revista da SBPH, 25(1), 26, 29-42. https://doi.org/ 10.57167/Rev-SBPH.v25.026.

terça-feira, 20 de junho de 2023

Mindfulness na Análise do Comportamento?

 

 

Um macaco meditando. Na literatura budista o macaco é usado para representar “inquietação e distratibilidade”. Essa imagem foi gerada com a Inteligência Artificial “craiyon” em 11/06/2023.

Wildson Cardoso Assunção

Célio Roberto Estanislau

 Verônica Bender Haydu


No mundo tecnológico acelerado e repleto de estímulos em que vivemos, muitas pessoas têm dificuldade em manter alguns cuidados com sua própria saúde e rotina, o que favorece o surgimento do estresse. Em níveis avançados, o estresse pode levar à Síndrome de Burnout. Considerando esse aspecto, Jon Kabat-Zinn propôs em 1979 uma terapia chamada de Redução de Estresse Baseada em Mindfulness (MBSR). Essa terapia é desvinculada de práticas religiosas e tem chamado a atenção da comunidade científica ao longo das últimas décadas devido às evidências de efeitos positivos tanto nos relatos de praticantes quanto por meio de resultados de pesquisas empíricas.

O estudo do estresse não tem sido um tema central de interesse na Análise do Comportamento (AC), mas Sanzovo e Coelho (2007), descreveram o estresse como uma resposta do organismo a estímulos aversivos. Além disso, esses autores citam que de acordo com Torres e Coelho (2004) “uma importante habilidade no manejo do stress é estar sempre sensível às contingências de maneira que seja possível perceber as mudanças significativas no ambiente que poderiam vir a demandar algum tipo de adaptação” (Sanzovo & Coelho, 2007, p. 236).

Uma alternativa de tratamento dos sintomas de estresse são as práticas de mindfulness (atenção plena), as quais têm sido utilizadas por terapeutas analítico-comportamentais da Terapia de Aceitação e Compromisso (cf. Brinkborg et al., 2011) e da Psicoterapia Analítica Funcional. Apesar desse método parecer bastante diferente dos métodos da AC tradicionais, Muñoz-Martinez et al. (2017) defendem que mindfulness pode ser entendida como uma habilidade (devido à objetividade de auto descrição verbal sobre o que o indivíduo faz) ou como estratégia (devido às práticas de exercícios específicos). Além disso, uma das definições mais comuns da mindfulness se refere simplesmente à atenção (Martin, 1977) e conforme destacaram Strapasson e Dittrich (2008), a atenção é um comportamento, passível de análise funcional.

Os estudos em AC sugerem que, de forma semelhante ao que ocorre em outras áreas da ciência, mindfulness tanto pode ser vista como uma habilidade que pode ser aperfeiçoada (uma prática mantida pelas suas consequências), como pode ser vista como uma intervenção com potencial de influenciar outros comportamentos (cf. Fuller & Fitter, 2020; Reed, 2023). Embora ainda haja muitas questões a serem exploradas na relação entre mindfulness e Análise do Comportamento, as pesquisas até o momento indicam um potencial promissor. Concluímos que a integração das abordagens terapêuticas analítico-comportamentais com a mindfulness pode ampliar as estratégias de intervenção e oferecer ao cliente uma melhor forma de cuidado pessoal por meio da atenção a si mesmo.

 

Referências

Brinkborg, H., Michanek, J., Hesser, H., & Berglund, G. (2011). Acceptance and commitment therapy for the treatment of stress among social workers: A randomized controlled trial. Behaviour Research and Therapy, 49(6-7), 389-398. https://doi.org/10.1016/j.brat.2011.03.009

Fuller, J. L., & Fitter, E. A. (2020). Mindful parenting: a behavioral tool for parent well-being. Behavior Analysis in Practice, 13, 767-771.   https://doi.org/10.1007/s40617-020-00447-6

Martin, J. R. (1997). Mindfulness: A proposed common factor. Journal of Psychotherapy Integration, 7(4), 291–312. https://doi.org/10.1023/B:JOPI.0000010885.18025.bc

Muñoz-Martínez, A., Monroy-Cifuentes, A., & Torres, L. (2017). Mindfulness: Process, skill or strategy? A behavioral-analytic and functional-contextualistic analysis. Psicologia USP, 28, 298-303. https://doi.org/10.1590/0103-656420160038

Reed, P. (2023). Focused-attention mindfulness increases sensitivity to current schedules of reinforcement. Journal of Experimental Psychology: Animal Learning and Cognition, 49(2), 127–137. https://doi.org/10.1037/xan0000352

Sanzovo, C. É., & Coelho, M. E. C. (2007). Estressores e estratégias de coping em uma amostra de psicólogos clínicos. Estudos de Psicologia (Campinas), 24(2), 351-365. https://doi.org/10.1590/S0103-166X2007000200009

Strapasson, B. A., & Dittrich, A. (2008). O conceito de "prestar atenção" para skinner [The concept of "paying attention" for skinner]. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 24(4), 519–526. https://doi.org/10.1590/S0102-37722008000400016.

Torres, N., & Coelho, M. E. C. (2004). O stress, o transtorno do pânico e a psicoterapia: a pessoa e sua vida. In M. Z. Brandão et al. (Orgs.), Sobre comportamento e cognição. Contingências e metacontingências: contextos sócios- -verbais e o comportamento do terapeuta (pp.339-344). ESETec.

domingo, 28 de maio de 2023

A Análise do Comportamento e os efeitos da música sobre o comportamento

  

Burrhus Frederic Skinner tocando uma música do Peter Bjorn and John em seu violino (risos). 

Essa imagem foi gerada com a Inteligência Artificial “DALL·E 2” em 22/05/2023, às 22:05:23.


Wildson Cardoso Assunção

Universidade Estadual de Londrina

Lidiane Diniz de Andrade

Universidade de Brasília

Verônica Bender Haydu

Universidade Estadual de Londrina


A música é maravilhosa! Quase todas as pessoas concordam com essa afirmação, não é mesmo? E não é à toa que a música desperta interesse em diversas áreas científicas. Física, matemática, sociologia, antropologia e até a Análise do Comportamento estão entre as ciências que se dedicam a explorar a música, cada uma com suas próprias perspectivas e métodos. Um interesse em comum é referente a quais efeitos a música causa nas pessoas e porque ela causa esses efeitos.

Se você fosse realizar um estudo sobre esse tema, quais perguntas de pesquisa você gostaria de responder?

Analistas do comportamento têm feito perguntas de pesquisa sobre os efeitos da música no comportamento tanto de humanos quanto de animais não humanos. Podem ser encontradas na literatura pesquisas experimentais e aplicadas relacionadas com a avaliação dos  efeitos da música no alívio do estresse, na produtividade, motivação, aprendizagem, atividade física e desempenho atlético, bem como mo comportamento de pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

O Journal of Applied Behavior Analysis e o Journal of the Experimental Analysis of Behaviors publicaram diversos estudos sobre o tema. Por exemplo, Gibbs et al. (2018) conduziram um estudo que focou em vocalização estereotipada (comportamento vocal repetitivo, sem função comunicativa e que geralmente é mantido por reforço automático). Os autores avalairam se a combinação de duas intervenções, Estimulação Combinada (intervenção que fornece acesso não contingente a estímulos que correspondem às consequências do comportamento-alvo e a Interrupção) e o Redirecionamento da Resposta (intervenção que interrompe comportamentos inadequados e redireciona o indivíduo para um comportamento mais apropriado) seriam mais eficaz do que o uso de apenas uma isoladamente. Os resultados indicaram que a combinação das duas intervenções foi mais eficaz na redução da vocalização estereotipada, resultando em maior foco dos participantes nas tarefas e requerendo menos intervenções.

Outros estudos exploraram o uso da música como reforço em diferentes contextos, como no tratamento de comportamentos problemáticos em crianças com desenvolvimento atípico  (Barmann et al., 1980), no treino de nadadores competitivos (Hume & Grossman, 1992), e por meio de um programa de enriquecimento musical no reforço alimentar (motivação para comer) (Kong et al., 2022). Essas pesquisas ampliam muito o que sabemos sobre como a música afera o comportamento dos organismos. Contudo, ainda há muito o que investigar: gênero musical, duração, velocidade, fatores relacionados à preferência individual, fatores relacionados à idade, efeitos de diferentes intervenções musicais sobre os diferentes tipos de transtornos, enfim... muita coisa. Agora que você conhece essas evidências, quais perguntas de pesquisa você faria, se fosse realizar um estudo sobre música e Análise do Comportamento?

 Referências

Barmann, B. C., Croyle-Barmann, C., & McLain, B. (1980). The use of contingent-interrupted music in the treatment of disruptive bus-riding behavior. Journal of Applied Behavior Analysis, 13(4), 693-698. https://doi.org/10.1901/jaba.1980.13-693.

Gibbs, A. R., Tullis, C. A., Thomas, R., & Elkins, B. (2018). The effects of noncontingent music and response interruption and redirection on vocal stereotypy. Journal of Applied Behavior Analysis, 51, 899-914. https://doi.org/10.1002/jaba.485

Hume, K. M., & Grossman, J. (1992). Musical reinforcement of practice behaviors among competitive swimmers. Journal of Applied Behavior Analysis, 25, 665-670. https://doi.org/10.1901/jaba.1992.25-665.

Kong, K. L., Eiden, R. D., Morris, K. S., Paluch, R. A., Carr, K. A., Epstein, L. H. (2022). Reducing relative food reinforcement of infants using a music enrichment program: a randomized, controlled trial. American Journal of Clinical Nutrition, 116(6), 1642-1653. https://doi.org/10.1093/ajcn/nqac209.

domingo, 9 de abril de 2023

Quem pode ser criativo(a)?




Amanda Lottermann, Bruno Teixeira Silva, Isabella Roque,

Laryssa Rodrigues, Verônica Bender Haydu


A criatividade pode ser compreendida como um processo relacionado à inovação, à criação e a comportamentos novos nas sociedades humanas. Durante nossa história houve muitas interpretações dos produtos criativos humanos, comumente sendo interpretados como inspirações divinas ou advindos da genialidade. Atualmente, a criatividade pode ser entendida como um processo natural, passível de ser estudado e aprendido (Dacey, 1999). As perguntas que pode surgir são: Quais condições favorecem a aprendizagem de comportamentos criativos? Quem pode ser criativo?

Os membros de nossa cultura reservam o termo criatividade para novos aprendizados ou resoluções de problemas dito como mais “flexíveis”, ou seja, indivíduos que variam mais seus repertórios (Skinner, 1968). Pessoas que, geralmente, são consideradas criativas agem de forma variada e pouco convencional, costumeiramente conhecidas como indivíduos que “pensam fora da caixa”. Elas provavelmente são criativas porque tiveram em suas vidas mais oportunidades de inovar, foram expostas a situações em que a inovação produziu solução a algum problema. Assim, pode-se afirmar, conforme Barbosa (2003) que a criatividade pode ser aprendida e executada por cada um de nós nos diversos contextos que vivenciamos, sendo um processo natural.

Na perspectiva de a criatividade ser um processo natural, comportamentos que emitimos em nosso dia a dia podem ser considerados criativos. Por exemplo, a procura de soluções para problemas novos ou soluções novas para problemas já existentes do mais sutil ao mais complexo sem ajuda de manuais. Aprender a tocar um instrumento novo, consertar um problema hidráulico ou elétrico em sua casa, experimentar desenhar sem borracha, descobrir sem mapas caminhos novos, começar uma atividade sem a necessidade de ser bom.

Para sermos criativos é necessário entrarmos em contato com diferentes situações problemas e diferentes maneiras de solucioná-las, para aprendemos a nos comportar diante de variáveis novas. Quando uma resposta e suas variações são reforçadas, diminuímos a chance de selecionar um comportamento estereotipado e seleciona-se uma classe comportamental de inovação. Se todos temos a oportunidade de aprender coisas novas, podemos considerar que todos podem ser criativos. Possivelmente não sejamos considerados grandes artistas, escritores, arquitetos, designers ou músicos, mas seremos, em certa medida, bons solucionadores de problemas.

 

Referências

 Barbosa, J. I. C. (2003). A criatividade sob o enfoque da análise do comportamento. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 5(2), 185-193.

Dacey, J. S. (1999). Concepts of creativity: A history. In S. R. Pritzker (Org.) Encyclopedia of Creativity. (pp.309-322). Academic Press.

Skinner, B. F. (1968). The technology of teaching. Appleton-Century-Crofts.

quinta-feira, 30 de março de 2023

Criatividade sob uma perspectiva comportamental


Wildson Cardoso Assunção, Thayná Krueger, Isabela Caroline Machado

Ariany Estefani de Lima Deltrejo, Verônica Bender Haydu


A questão sobre a origem da criatividade tem sido discutida há muito tempo, com especulações que variam entre talento inato, dom divino ou mesmo resultado do acaso. Com base no senso comum, acredita-se que pessoas inteligentes, que leem e estudam muito, possuem maior disposição a serem criativas. Entretanto, a criatividade não é algo inato, mas uma habilidade que pode ser desenvolvida e aprimorada ao longo da vida. A leitura e o estudo podem ampliar nosso conhecimento e repertório, o que pode contribuir para uma maior capacidade criativa. Importante ressaltar que a criatividade não é um fenômeno isolado, mas está sempre relacionada ao ambiente e às situações em que nos encontramos.

A criatividade é conceituada pela Análise do Comportamento (ciência que estuda o comportamento humano) como um comportamento e, como todo comportamento, tem uma função. Conforme essa perspectiva, há a criatividade-p, que se refere à emissão de comportamentos novos (ou pelo menos um comportamento próximo a um comportamento novo) do indivíduo. Esses comportamentos podem emergir na resolução de problemas diários ou em situações que possuem alguma relevância para o próprio indivíduo. Por exemplo, imagine que você seja proprietário de um estabelecimento comercial e tenha enfrentado problemas nos horários de pico, criando excesso de demanda e desorganização. Você resolve então desenvolver, utilizando materiais recicláveis, um mecanismo de controle de entrada - uma catraca - por meio da qual pode controlar a quantidade de pessoas que estão ao mesmo tempo dentro de seu estabelecimento. Esse é um comportamento novo para você e seus clientes, possivelmente efetivo na resolução do problema, podendo ser considerado um exemplo de criatividade-p.

Agora, imagine que você, de repente, ficasse sozinho no planeta Terra e, após alguns anos nesse cenário hipotético, você fundasse uma empresa de criação de catracas produzidas com materiais recicláveis, para que suas produções pudessem ser utilizadas em outras empresas e ambientes. Qual seria a função de suas produções, se não há mais ninguém? Lembre-se que para “criar” essa catraca você emitiu um comportamento novo individual. Entretanto, qual seria a função de aperfeiçoar e patentear esse equipamento, se não há mais ninguém além de você? Para que um comportamento dessa natureza seja considerado criativo, é necessário que exista um problema a ser resolvido, que essa resolução seja considerada socialmente relevante (na opinião de quem está participando ou sendo beneficiado) e que seja efetiva. Aqui, nos referimos a outro tipo de criatividade, a criatividade-h. Esse conceito é parecido com o da criatividade-p, mas possui uma função para além do comportamento do indivíduo, uma dimensão social.

Diante dos dois conceitos de criatividade, é natural que surjam perguntas sobre como podemos estimular o desenvolvimento de comportamentos criativos. Não existe uma receita, pois cada pessoa se comporta de forma diferente, mesmo que vivam em ambientes semelhantes. Para ser criativo o comportamento deve ser novo. Existem algumas possibilidades de estimulações à criatividade como, por exemplo, o arranjo de ambientes que propicie exposição a novas situações. Assim, pode emergir uma variabilidade na forma de se comportar em relação ao ambiente ao qual uma pessoa foi exposta (pessoas, lugares, coisas, brinquedos/brincadeiras, jogos, lazer, trabalho, leitura etc.). Outra forma de estimular a criatividade é, em meio à exposição ao ambiente novo, fornecer ou programar situações que demandem de resoluções de problemas, a partir da solução de problemas mais simples aos mais complexos. Espera-se que ao longo do tempo haja o que chamamos de recombinação de repertórios (ou recombinação de comportamentos aprendidos). Essa recombinação faz com que uma dada resolução de problemas previamente aprendida possa ser útil em outros contextos ou, ainda, várias resoluções podem se tornar uma única resolução para um problema complexo novo.

Conclui-se, portanto, que a criatividade não é uma característica inata, um dom divino ou resultado do acaso, mas que ela pode ser desenvolvida e aprimorada ao longo da vida. Existem diferentes tipos de criatividade, cada um com uma função específica, mas todos relacionados ao ambiente e às situações em que nos encontramos. Para estimular a criatividade, é necessário expor-se a novas situações e fornecer ou programar situações que demandem resoluções de problemas, permitindo a recombinação de repertórios. Dessa forma, é possível desenvolver habilidades criativas que sejam efetivas e socialmente relevantes.

 

Para saber mais sobre esses e outros conceitos de criatividade, aprofundar seus conhecimentos e se divertir em uma boa leitura, recomendamos o livro Criatividade: Suas origens e produtos sob uma perspectiva comportamental, publicado em 2018 por Hernando Borges Neves Filho.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Encontrando as funções dos nossos comportamentos

 


 

Poliana Sanches, Karen Rancura, Letícia de Assis P. Jardim,

Andressa Félix Ferreira, Maria Cecília Bonfim dos Santos e

Verônica Bender Haydu

Será que o que fazemos acontece por acaso? Você já parou para pensar na razão pela qual nos comportamos do jeito que o fazemos? Compreender o que fazemos e por que o fazemos é parte do processo de autoconhecimento. Essa análise pode nos ajudar a tomar decisões que sejam compatíveis com aquilo que esperamos como resultados de nossas ações. É olhando para as consequências do que fazemos que nos tornamos mais sensíveis aos motivos de nos comportamos de determinada maneira. A análise do comportamento é uma ciência que busca responder algumas questões como as apresentadas acima. Uma das principais ferramentas utilizadas por essa ciência para compreender o ser humano e suas ações é a análise funcional do comportamento.

Para explicarmos o que é a análise funcional para o analista do comportamento, precisamos caracterizar o que é comportamento. O comportamento é entendido como a relação entre (a) o contexto em que uma ação ocorre, (b) a própria ação e (c) as consequências dessa ação. Assim, para entender a função dos nossos comportamentos – a razão pela qual ele ocorre – precisamos olhar não só para nós mesmos, mas para o que está acontecendo quando nos comportamos, e o que ocorre depois de nos comportarmos. As consequências de nossas ações são muito importantes nessa análise: elas alteram a probabilidade de voltarmos (ou não) a fazer o que fizemos. Isso, algumas vezes, pode parecer óbvio, mas em outros momentos, pode acontecer sem que percebamos.

Então o que é a análise funcional? É a investigação dessa interação. Observar em qual situação o comportamento aconteceu, a ação em si, e as consequências que a ação produziu, para então tentarmos identificar qual a função daquele comportamento que faz com que ele continue acontecendo.

Para a análise funcional consideramos os comportamentos que foram mantidos, ou seja, aqueles que produziram consequências reforçadoras. Por exemplo, podemos descrever o comportamento de uma criança que fez birra no supermercado porque queria um doce. Seu pai ficou com vergonha do comportamento da criança e entregou o doce para ela parar de chorar. Por meio da análise funcional, conseguimos observar que a criança faz birra porque anteriormente esse comportamento fez com que ela obtivesse o que queria.

Em um segundo exemplo, podemos imaginar que estamos com dor de cabeça, uma situação aversiva. Então decidimos tomar um medicamento e a dor é aliviada. Fazendo a análise funcional verificamos que tomamos o medicamento porque anteriormente, ao realizarmos essa ação, nossa dor foi aliviada. Esses são exemplos simples, para auxiliar na compreensão de como é feita uma análise funcional. No entanto, é possível realizar análise funcional de comportamentos complexos, como ansiedade, depressão, relações afetivas, entre outros. Esse procedimento pode ser realizado com a ajuda de analistas do comportamento em contextos terapêuticos, nos quais são analisados comportamentos relevantes para você e que você deseja compreender e mudar.

            Ser capaz de realizar análises funcionais do próprio comportamento pode contribuir tanto para o desenvolvimento do autoconhecimento quanto para a possibilidade de mudança. Quando encaramos nossas ações como fruto do acaso, não existe nada que possa ser feito para mudar, mas quando compreendemos que nossos comportamentos são mantidos por suas consequências e identificamos suas funções, podemos prever nossas respostas de acordo com os contextos e emitir comportamentos alternativos que nos propiciem o acesso as consequências desejáveis.

           

Você pode acessar um artigo de revisão da literatura sobre este tema em:

Costa, S. E. G. de C., & Marinho, M. L. (2002). Um modelo de apresentação de análise funcionais do comportamento. Estudos de Psicologia (Campinas), 19(3), 43-54. https://dx.doi.org/10.1590/S0103-166X2002000300005

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Educação de crianças e regras: uma conversa com pais



Gabriel Rodrigues Vitti, Gabriela Pires Malacrida, Letícia de Paula Von Backschat,

 Marcos Muryan Nobuhara, Matheus Manganaro de Souza e

Verônica Bender Haydu

Quando você era criança, deve ter ouvido frases como: “Não coloque o dedo na tomada, que você vai levar um choque!”, “Leve o guarda-chuva, que vai chover!” ou, ainda, “Não jogue bola dentro de casa!” São regras e mais regras que você ouviu – e muito provavelmente seguiu – quando era criança e, graças a isso, conseguiu evitar muitos problemas e situações desagradáveis. Um choque bem dolorido, uma chuva gelada e forte ou uma janela quebrada. Ainda bem que você conseguiu evitar tudo isso quando era criança, né? E agora é a sua vez de evitar que seu filho passe por essas situações!

Algo que você talvez nunca tenha observado nessas pequenas regras do dia a dia diz respeito à maneira com que elas são estruturadas. É óbvio que uma regra destaca algo que deve ser feito ou, quase sempre, algo que não deve ser feito. No entanto, há mais informações em uma regra completa. Se você prestar atenção, vai observar que a sentença “não coloque o dedo na tomada, que você vai levar choque”, além da ação a não ser feita (colocar o dedo na tomada), descreve uma consequência que aconteceria se essa fosse executada: receber um choque. Podemos chamar isso de uma justificativa para a instrução. Uma consequência, com toda certeza não muito agradável, que explica por que a regra deve ser seguida.

Outras regras, como exemplificado na sentença “leve o guarda-chuva, que vai chover”, indicam essa relação de uma forma um pouco menos evidente, mas ela ainda está lá. Algo que, muitas vezes, só nossas mães são capazes de observar – indicação de que vai chover. Se chover, você certamente vai querer estar com o guarda-chuva para evitar se molhar com a chuva gelada. Essa regra indica que haverá uma situação na qual você precisará estar com o guarda-chuva para não se molhar. Em outras palavras, ela não indica só a ação e a consequência, mas também a situação que ocorre antes de você precisar abrir o guarda-chuva: a chuva gelada. Temos mais uma justificativa para uma regra aqui.

Agora, vamos observar nosso terceiro exemplo: “não jogue bola dentro de casa!” Aqui, só temos a indicação da ação a ser evitada. Para nós adultos, os motivos de não jogar bola dentro de casa podem ser óbvios: queremos evitar uma janela, um copo ou uma televisão quebrada. No entanto, para a criança esse motivo é vago, incompreensível, obscuro. Tudo o que a regra lhe diz é o que ela não deve fazer. Por quê? Ninguém disse a ela. Ela só sabe que deve seguir essa regra.

Todos temos ótimos motivos para seguir regras. Quando as seguimos, evitamos infortúnios. Embora as regras tenham eminente utilidade, elas também podem trazer prejuízos. Indivíduos que apenas seguem ordens superiores, sem refletir sobre o que estão fazendo, podem perder autonomia e, até mesmo, desenvolver comportamento típicos da ansiedade ou da depressão. Ninguém deseja que seu filho se torne um seguidor obsessivo de regras, não é mesmo? Queremos que nossos filhos saibam o motivo pelo qual devem – ou não devem – fazer algo. Para isso, devemos apresentar as justificativas dessas regras, ou seja, as relações entre a situação na qual a regra deve ser seguida, aquilo que a criança deve ou não fazer, e as consequências dessas ações. Desse modo, podemos ajudar nossos filhos a se orientarem no mundo de maneira mais eficaz, compreendendo a razão de suas ações.

 

Você pode acessar um artigo de revisão da literatura sobre este tema em:

Teixeira Júnior, R. R. (2009). Variáveis do Comportamento Governado por Regras: Uma análise de estudos da área. Acta Comportamentalia, 17(3), 351-385. https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=274519448005