quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Fair Play: quando os Valores Olímpicos valem mais do que a Vitória


Daiane Zanqueta


My game is Fair Play. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%AAmio_Fair_Play_da_FIFA


Você deve ter ouvido por aí a expressão fair play ou mesmo, visto nos campos de futebol aquelas faixas da FIFA, em azul e amarelo, escrito “My game is fair play”. Mas, você sabe o significado da expressão fair play?

O fair play é conhecido como “jogo limpo” ou jogo justo. Ele foi inserido no esporte por Pierre de Coubertin, idealizador dos Jogos Olímpicos Modernos, no final do século XIX. O Comitê Internacional de Fair Play (CIFP, 2015) caracteriza o fair play como respeito às regras do jogo e ao adversário, espírito de equipe, esporte sem doping, lealdade e entre outros, tidos como valores olímpicos e morais do esporte. Por não ser considerado uma regra do jogo, não há um consenso sobre o que vem a ser o fair play, ainda mais em se tratando das várias e diferentes modalidades esportivas.    

Para a Análise do Comportamento, comportamentos são valorados de maneiras diferentes a depender do contexto ou situação em que ocorrem (Morais et al., 2017). Assim, o fair play não é uma regra universal que descreve as ações corretas ou erradas, e não se trata somente de ações e atitudes que ocorrem entre os atletas, como ajudar o atleta adversário a levantar ou colocar a bola para fora do campo para atendimento de um jogador. Comportamentos de fair play são comportamentos altruístas e genuínos que podem e devem ser exercidos por todos os envolvidos no contexto esportivo.

Quando se fala em esporte, automaticamente a ideia de valores éticos e morais, ou seja, de fair play (ou comportamentos esportivos) é associada. O contexto esportivo é visto, na maioria das vezes, como um espaço para desenvolvimento e aprendizagem de comportamentos caracterizados popularmente como bons e corretos (éticos e morais). No entanto, a maioria das regras no esporte procuram punir o comportamento antiesportivo do atleta e pouco promovem a valorização de comportamentos de fair play ou esportivos (Zanqueta, 2021), isso acaba produzindo confusão... Afinal, como vamos aprender comportamentos de fair play que deveriam ser promovidos se os modelos que temos são de punição? A resposta a essa pergunta pode começar pela reflexão dos exemplos de fair play nos vários âmbitos esportivos, com atletas, pais, árbitros, torcidas e nos e-sports, consecutivamente descritos a seguir, que podem ser usados como modelos de promoção de fair play.

Na Olimpíada de Tóquio 2020, a modalidade esportiva estreante, o skate park, protagonizou uma ação de fair play na final. Na última manobra que definiria a distribuição das medalhas, a então campeã mundial Misugu Okamoto caiu e saiu da pista bem abalada. Ela      foi imediatamente consolada pelas demais finalistas que a cercaram e a abraçaram. A ação empática das finalistas e adversárias de Okamoto fez com que todas elas fossem premiadas com o prêmio de Fair Play das Olimpíadas.

Outro exemplo de fair play ocorreu na esgrima durante as Olimpíadas do Rio 2016. Em um duelo entre o brasileiro Athos Schwantes e o tcheco Jirí Beran, o juiz marcou um ponto a favor do tcheco, deixando-o muito perto da vitória. Jirí Beran, no entanto, foi até o juiz e explicou que não havia tocado no brasileiro. O juiz retirou o ponto e Athos, ganhador da disputa, cumprimentou e pediu para que a torcida aplaudisse o tcheco. Jirí Beran explicou que fez o que aprendeu com o pai, também esgrimista, demonstrando a importância do apoio e incentivo familiar nos comportamentos de fair play.

Continuando com os exemplos de fair play, em uma partida pelo Campeonato Paulista de 2017, em um jogo entre São Paulo e Corinthians, o zagueiro São-paulino, Rodrigo Caio, deu um “pisão” no goleiro do próprio time, mas o árbitro não vê e aplica um cartão amarelo ao atacante corinthiano Jô. Rodrigo Caio vendo o equívoco do árbitro avisa-o que foi ele quem pisou no goleiro e não o jogador adversário. O árbitro voltou atrás e retirou o cartão amarelo aplicado. Esse exemplo de fair play de jogador e árbitro, foi elogiado por órgãos como a CBF e por comentadores esportivos, mas não foi bem-visto pelos torcedores do São Paulo, inclusive pelo próprio capitão do time.

Há também exemplos de fair play entre torcidas, bem como nos e-sports. É o que acontece com as torcidas dos rivais Grêmio e Internacional de Porto Alegre, que desde 2015, reservam uma área mista nos seus estádios, para as torcidas rivais assistirem aos jogos do Grenal juntas. A iniciativa continua dando certo e as torcidas dão um belo exemplo de fair play fora do campo. No caso dos e-sports não é diferente. Alguns jogadores de jogos online como o Dota 2, quando percebem algum problema relacionado com um lag (problemas com a conexão da internet) de um jogador adversário, pausam o jogo para perguntar ou esperar o problema se resolver.

Os exemplos descritos mostram a importância da prática do fair play pelos envolvidos no contexto esportivo. Os atletas, como agentes ativos dentro da competição, podem ser modelos de comportamentos de fair play, assim como é fundamental os pais apoiarem e incentivarem seus filhos a desenvolverem os valores morais do esporte. Não excluindo a importância do árbitro e da torcida colaborarem com essas atitudes e mostrarem que é possível interagir com a torcida adversária, por maior que seja a rivalidade que seus times possam ter. O fair play pode ser uma prática contagiante, mas é preciso ser ensinada e valorizada nos ambientes esportivos.


Referências

CIFP (2015). Internacional Fair Play Committee. [Website]. Recuperado de http://www.fairplayinternational.org/home.

Morais, A. O. de, Melo, C. M. de, & Souza, S. R. de. (2017). Uma análise da ética esportiva a partir do behaviorismo radical. Revista Brasileira De Terapia Comportamental E Cognitiva18(3), 41–57. https://doi.org/10.31505/rbtcc.v18i3.921

Zanqueta, D. (2021). Comportamentos Antiesportivos e de Fair Play: identificação dos comportamentos dos árbitros de Futsal. Dissertação (Pós-graduação em Análise do Comportamento) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina.

Para saber mais sobre o Fair Play

Bosquetti, M.A; Morais, A.O; Altimari, L; Souza, S.R. (2015). Comportamentos de Fair Play e Antiesportivos: avaliação dos árbitros. Revista Perspectivas, vol.06, nº1, pp. 60-73

Morais, A. O. (2014). Comportamentos Antiesportivos e de Fair Play: análise do comportamento aplicada à ética esportiva. Dissertação de mestrado (Mestrado em Análise do Comportamento). Universidade Estadual de Londrina, Londrina.

Zanqueta, D. (2021). Comportamentos Antiesportivos e de Fair Play: identificação dos comportamentos dos árbitros de Futsal. Dissertação (Pós-graduação em Análise do Comportamento) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina.


terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Como aprendemos a nos autoconhecer?



Verônica Bender Haydu

Luciana Parisi Martins Yamaura

 

Conhecer a si mesmo é muito importante para formação do nosso autoconceito, autovalorização e autoestima. O autoconhecimento consiste em sermos capazes de identificar por que nos comportamos de determinada forma e quais são as consequências das nossas ações. Além disso, autoconhecimento implica em sermos capazes de reconhecer os eventos que ocorrem imediatamente antes dessas ações e os sentimentos e sensações que acompanham as nossas relações com o mundo que nos cerca.

O autoconhecimento é decorrente de um processo de aprendizagem vivenciado durante a infância e ao longo de toda o restante de nossa vida. Os bebês não sabem descrever o que estão sentindo, do que eles gostam ou o que eles estão querendo e isso pode angustiar os pais, principalmente quando há sofrimento envolvido. Assim, é muito importante que eles aprendam a se autoconhecer e a relatar o que sentem.

À medida que os bebês aprendem a falar, devem ser expostos a situações em que lhes é ensinado como nomear o que estão sentindo. “Por exemplo, quando uma criança fica chorando após a sua mãe ter saído de casa. O pai pergunta: Por que você está chorando? Você está triste? É porque a mamãe saiu? Não fica triste, não! Ela volta logo! Um outro exemplo, seria uma situação em que a criança ficou presa no quarto porque o vento fechou a porta. Ela começa a chorar ‘desesperadamente’. A mãe corre para acudi-la e vê que nada de grave aconteceu. Ela então diz: “Não foi nada, meu amor. O vento bateu a porta. A mamãe está aqui! Não precisa ficar com medo!” (Haydu, n.d., p. 1).

Algumas vezes não temos informações do que aconteceu, mas ao observar os comportamentos da criança podemos inferir o que ela está sentindo, a partir de comportamentos colaterais observáveis. Por exemplo, ao ver a criança quieta, não querendo brincar, não sorrindo, com os olhos lacrimejando, podemos perguntar se ela está triste. De forma semelhante, podemos ensinar a identificação e a nomeação das sensações, como a dor, a fome, a sonolência etc. Por exemplo, o pai vê sua filha cair e ao ajudá-la a se levantar vê que ela está mancando. O pai deve perguntar: Tá doendo filhinha? Você machucou sua perninha? Vou colocar um remédio. Vai sarar logo!

Enquanto a situação vivenciada pela criança é descrita, podemos perguntar ou dizer (inferir) o que, provavelmente, ela está sentindo. Com isso, ensinamos à criança o nome da sensação ou sentimento vivenciado por ela. Isso contribui para que ela preste atenção em seus sentimentos e em suas sensações (auto-observação) e se torne capaz de descrevê-los e relacioná-los com as circunstâncias em que ocorrem (autoconhecimento).

O autoconhecimento não ocorre só na infância, trata-se de um processo comportamental que deve ser mantido por toda nossa vida. A dificuldade de se auto-observar e identificar de forma apropriada nossas emoções e o que sentimos, pode gerar problemas de relacionamento em casa, no trabalho e com as nossas amizades. Assim, podemos concluir que a comunidade/sociedade na qual vivemos se beneficia quando temos um autoconhecimento adequado, o que também favorece nosso autoconceito, autovalorização e autoestima.

Referência

Haydu, V. B. (n.d.). Como aprendemos a nos autoconhecer? http://www.uel.br/pessoal/haydu/textos/como_aprendemos_a_nos_autoconhecer.pdf

 Leituras sugeridas:

De Rose, J. C. C. (1999). O relato verbal segundo a perspectiva da análise do comportamento: contribuições conceituais e experimentais. Em R. A. Banaco (Org.) Sobre Comportamento e Cognição. (pp. 148-163). ARBytes. https://itcrcampinas.com.br/pdf/outros/derose.pdf

Souza, A. S. & Abreu-Rodrigues, J. (2007). Autoconhecimento: contribuições da pesquisa básica. Psicologia em Estudo, 12, 141-150. https://www.scielo.br/j/pe/a/77bVDSpqVHMdnBKKxdMR6MN/abstract/?lang=pt