quinta-feira, 14 de maio de 2020

Sobre crianças que “não aprendem”




Éllen Patrícia Alves Castilho
Verônica Bender Haydu

No processo de aprendizagem escolar podem aparecer as chamadas dificuldades de aprendizagem. Muitas vezes, recorre-se aos fatores intrínsecos às crianças para justificar os casos de não atender às expectativas para a faixa etária ou ano escolar. Inteligência e maturidade são exemplos de fatores intrínsecos. Eles podem e devem ser levados em consideração, mas não exclusivamente. A perspectiva analítico-comportamental exige que ampliemos nosso olhar acerca da questão das variáveis envolvidas na aprendizagem.
Justificar uma dificuldade de aprendizagem por meio de fatores intrínsecos é reduzir a expectativa acerca dos efeitos de uma intervenção, porque o problema é atribuído à criança. Se considerarmos que o problema está na criança, a questão que se apresenta é: o que podemos fazer? Os princípios da Análise do Comportamento permitem afirmar que mesmo com limitações ou deficiências, todos são capazes de aprender (cf. de Rose, 2012) e de que o ambiente tem papel fundamental no processo de aprendizagem. A partir desta perspectiva muito pode ser feito.
No processo de aprendizagem, as consequências, que são mudanças produzidas no ambiente derivadas de nossa ação, determinam a probabilidade de voltarmos ou não a emitir tal ação no futuro. Não nos comportamos para conseguir determinado resultado, mas porque no passado, comportar-se de determinada maneira gerou uma consequência que aumentou a probabilidade de nos comportarmos dessa forma. Se um aluno levanta a mão e expõe uma dúvida, e a professora explica de forma mais compreensível elogiando a iniciativa, a possibilidade de esse aluno voltar a sinalizar suas dúvidas no futuro aumenta. Essa compreensão levanta uma importante questão: nossa história pessoal. Nossas experiências passadas influenciam o modo como agimos.
Procedimentos de ensino adequados são aqueles que aumentam a probabilidade de o aluno aprender. Se a nossa história é tão importante a ponto de influenciar o modo como nos comportamos, é relevante proporcionar às crianças experiências que favoreçam o aprendizado. A experiência diz respeito à necessidade do aluno e não somente ao esperado para a faixa etária ou ano escolar. Se, por exemplo, uma criança do 1ºano do Ensino Fundamental, ainda não dominar o alfabeto, é preciso que se ensine esse pré-requisito, pois o conteúdo previsto para essa série implica nesse conhecimento. Investir nas habilidades que o aluno precisa desenvolver pode evitar problemas futuros. Quando não se identifica que um fator de ensino pode ser crucial, justificar por fatores intrínsecos torna-se conveniente, mas não produtivo.
O ensino adequado é norteado pelas reais habilidades da criança e não pelas expectativas. As possibilidades de investimento nessas habilidades multiplicam-se quando partimos do aporte teórico da Análise do Comportamento. Então, é possível afirmar que ao falarmos sobre “crianças que não aprendem”, estamos nos referindo a crianças que podem não ter sido ensinadas adequadamente ou que, simplesmente, tiveram suas questões de aprendizagem consideradas exclusivamente pelo viés dos fatores intrínsecos.

Referência
de Rose, J. C. (2012). Análise comportamental da aprendizagem de leitura e escrita. Revista Brasileira de análise do Comportamento, 1(1), 29-50.

Sugestão de leitura
Henklain, M. H. O., & Carmo, J. D. S. (2013). Contribuições da análise do comportamento à educação: um convite ao diálogo. Cadernos de Pesquisa, 43(149), 704-723.

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