quarta-feira, 15 de junho de 2022

Por que persistir em escolhas que não trazem maiores benefícios?

 



Thays da Cruz Silva

Roberto Salbego Donicht

Rafael Peres Macedo

Verônica Bender Haydu

A vida humana é permeada por situações de escolhas nas quais nem sempre compreendemos os seus porquês. Por exemplo, por que continuar persistindo em um relacionamento mesmo sabendo que é uma cilada? O estudo do fenômeno do sunk cost effect na Economia Comportamental, que é uma área de intersecção entre a Economia e a Psicologia, pode oferecer respostas para dilemas de escolhas como esse, pois se volta para o estudo da relação entre investimentos realizados e o persistir em escolhas. Olha, você já investiu tempo e esforço para ler até aqui! Então, não vai desperdiçar o seu investimento de tempo e esforço desistindo de ler o texto, não é mesmo?

Que bom que você continua lendo! O sunk cost effect ou efeito do custo irrecuperável (Magalhães & White, 2016) ajuda a compreender como investimentos prévios podem influenciar no persistir em escolhas que trazem prejuízos. O sunk cost effect pode ser compreendido como a persistência em um curso de ação (i.e., emissão continuada de uma classe de respostas), ao mesmo tempo em que há outra opção claramente mais benéfica. Uma explicação para essa persistência é que o responder ocorre em função de um investimento prévio de tempo, dinheiro ou esforço. A lógica é que, quanto maior o investimento, mais provável é o persistir. Logo, o comportamento fica mais sob controle de investimentos prévios, em vez das prováveis consequências reforçadoras ou punidoras.

Para compreensão do sunk cost effect, imagine esta situação exposta no estudo de Rego, Arantes e Magalhães (2018): você está casado(a) há 1 ano, mas nos últimos meses está infeliz na relação. Brigas irrelevantes ocorrem o tempo todo e tomam grande proporção, não há abertura para comunicação. Além disso, há meses não mantém relação sexual e seu(sua) cônjuge retarda o retorno para casa. Você acredita que seria mais feliz se não estivesse nesse relacionamento. Quanto tempo mais você investiria nessa relação? E se em vez de 1 ano, fossem 10 anos de relacionamento, sua resposta iria mudar? Na perspectiva do estudo do sunk cost effect, sim!  Diante de um relacionamento de 10 anos é mais provável que ocorra mais persistência em comparação ao relacionamento de 1 ano. O mesmo é válido em situações como aquelas em que se investiu mais esforço (e.g., fazer mudanças radicais na rotina para se adequar à vida do outro) ou dinheiro (e.g., investimentos feitos em imóveis ou empresas).

Na visão da Análise do Comportamento outras variáveis como o histórico de reforço intermitente e momento comportamental, podem estar relacionadas à persistência comportamental (Magalhães & White, 2016; Carreiro, 2007). No entanto, no presente artigo, damos destaque aos investimentos explicarem as situações em que o organismo persiste em escolhas que lhe trazem prejuízos.

O estudo do sunk cost effect contribui para esclarecer situações em que as escolhas em um primeiro momento parecem ser incompreensíveis, por se tratar de um persistir em situações que trazem prejuízos. Logo, entender as variáveis relacionadas à ocorrência do fenômeno do sunk cost effect possibilita formas alternativas de pensar em intervenções diante de dilemas que podem trazer sofrimento aos indivíduos.

 

Carreiro, P. L. (2007). Efeitos da probabilidade de reforçamento e do custo da resposta sobre a persistência comportamental. (Dissertação de Mestrado). Recuperado de https://repositorio.unb.br/handle/10482/3774

Magalhães, P., & White, K. G. (2016). The sunk cost effect across species: A review of persistence in a course of action due to prior investment. Journal of the experimental analysis of behavior, 105(3), 339-361.

Rego, S., Arantes, J., & Magalhães, P. (2018). Is there a sunk cost effect in committed relationships?. Current Psychology, 37(3), 508-519.

 

sábado, 4 de junho de 2022

Ciência e Religião: Fronteiras Instransponíveis?

Imagem: Ilustração da relação entre ciência e religião. 

Roberto Salbego Donicht
Thays da Cruz Silva
Rafael Peres Macedo
Verônica Bender Haydu

           Por muito tempo Religião e Ciência conviviam sem conflitos, nessa época a ciência era chamada de teologia natural ou filosofia natural. Uma das razões para essa harmonia ter surgido veio da argumentação de Tomás de Aquino de que Ciência e Religião possuíam “reinos” distintos de estudo e conhecimento, cada qual instransponível para o outro. O fim dessa paz veio com o advento da Ciência Secular (Século XIX), a qual surgiu das contribuições darwinistas e, principalmente, a profissionalização dos cientistas. A argumentação de Tomás continuou, no entanto, sendo usada agora para justificar a desarmonia entre essas áreas do saber. Diante disso, ficam os seguintes questionamentos: A argumentação de Tomás de Aquino faz sentido? Ciência não deve se meter com Religião e vice-versa?

            Embora, a argumentação apresentada por Tomás de Aquino possa ser considerada desnecessária, ela provavelmente foi um diferencial. Na época de Aquino, um contexto predominante religioso, qualquer argumento que favorece o livre fazer científico era importante. Logo, essa lógica permitiu que os cientistas realizarem suas pesquisas sem terem que discutir constantemente com a religião.

            Em relação a cisão Ciência-Religião, temos algumas respostas na Análise do Comportamento (uma área da ciência) no livro “Religion and Human Behavior”[1] (Schoenfeld, 1993). Para Schoenfeld, a enorme influência religiosa existente no cotidiano dos indivíduos deveria bastar como justificativa para haver maior interesse dos analistas do comportamento em pesquisar esse fenômeno. Segundo Schoenfeld, se Deus falou na língua dos homens, essa língua é comportamento. Ademais, há a ideia de que tanto a religião como a ciência podem ganhar muito com o diálogo mútuo. A compreensão de fenômenos religiosos por uma perspectiva científica pode tanto elucidar problemáticas presentes em nossa sociedade (discussões morais, por exemplo) quanto auxiliar em discussões religiosas, como a compreensão da “língua dos homens” utilizada por Deus.

         Diante do exposto, o argumento de Tomás de Aquino já não é mais justificativa para o afastamento da Análise do Comportamento e da Ciência, como um todo, de um fenômeno tão presente na humanidade como a religião. Atualmente, a Ciência e a Religião são áreas do saber bastante consolidadas em seus respectivos “reinos”, cabendo a elas abrirem as fronteiras para uma discussão proveitosa e frutífera.

Referência

Schoenfeld, W. N. (1993). Religion and Human Behavior. Boston: Authors Cooperative.



[1] O qual é provavelmente o único livro da Análise do Comportamento destinado a estudar exclusivamente o fenômeno religioso.