quinta-feira, 30 de março de 2023

Criatividade sob uma perspectiva comportamental


Wildson Cardoso Assunção, Thayná Krueger, Isabela Caroline Machado

Ariany Estefani de Lima Deltrejo, Verônica Bender Haydu


A questão sobre a origem da criatividade tem sido discutida há muito tempo, com especulações que variam entre talento inato, dom divino ou mesmo resultado do acaso. Com base no senso comum, acredita-se que pessoas inteligentes, que leem e estudam muito, possuem maior disposição a serem criativas. Entretanto, a criatividade não é algo inato, mas uma habilidade que pode ser desenvolvida e aprimorada ao longo da vida. A leitura e o estudo podem ampliar nosso conhecimento e repertório, o que pode contribuir para uma maior capacidade criativa. Importante ressaltar que a criatividade não é um fenômeno isolado, mas está sempre relacionada ao ambiente e às situações em que nos encontramos.

A criatividade é conceituada pela Análise do Comportamento (ciência que estuda o comportamento humano) como um comportamento e, como todo comportamento, tem uma função. Conforme essa perspectiva, há a criatividade-p, que se refere à emissão de comportamentos novos (ou pelo menos um comportamento próximo a um comportamento novo) do indivíduo. Esses comportamentos podem emergir na resolução de problemas diários ou em situações que possuem alguma relevância para o próprio indivíduo. Por exemplo, imagine que você seja proprietário de um estabelecimento comercial e tenha enfrentado problemas nos horários de pico, criando excesso de demanda e desorganização. Você resolve então desenvolver, utilizando materiais recicláveis, um mecanismo de controle de entrada - uma catraca - por meio da qual pode controlar a quantidade de pessoas que estão ao mesmo tempo dentro de seu estabelecimento. Esse é um comportamento novo para você e seus clientes, possivelmente efetivo na resolução do problema, podendo ser considerado um exemplo de criatividade-p.

Agora, imagine que você, de repente, ficasse sozinho no planeta Terra e, após alguns anos nesse cenário hipotético, você fundasse uma empresa de criação de catracas produzidas com materiais recicláveis, para que suas produções pudessem ser utilizadas em outras empresas e ambientes. Qual seria a função de suas produções, se não há mais ninguém? Lembre-se que para “criar” essa catraca você emitiu um comportamento novo individual. Entretanto, qual seria a função de aperfeiçoar e patentear esse equipamento, se não há mais ninguém além de você? Para que um comportamento dessa natureza seja considerado criativo, é necessário que exista um problema a ser resolvido, que essa resolução seja considerada socialmente relevante (na opinião de quem está participando ou sendo beneficiado) e que seja efetiva. Aqui, nos referimos a outro tipo de criatividade, a criatividade-h. Esse conceito é parecido com o da criatividade-p, mas possui uma função para além do comportamento do indivíduo, uma dimensão social.

Diante dos dois conceitos de criatividade, é natural que surjam perguntas sobre como podemos estimular o desenvolvimento de comportamentos criativos. Não existe uma receita, pois cada pessoa se comporta de forma diferente, mesmo que vivam em ambientes semelhantes. Para ser criativo o comportamento deve ser novo. Existem algumas possibilidades de estimulações à criatividade como, por exemplo, o arranjo de ambientes que propicie exposição a novas situações. Assim, pode emergir uma variabilidade na forma de se comportar em relação ao ambiente ao qual uma pessoa foi exposta (pessoas, lugares, coisas, brinquedos/brincadeiras, jogos, lazer, trabalho, leitura etc.). Outra forma de estimular a criatividade é, em meio à exposição ao ambiente novo, fornecer ou programar situações que demandem de resoluções de problemas, a partir da solução de problemas mais simples aos mais complexos. Espera-se que ao longo do tempo haja o que chamamos de recombinação de repertórios (ou recombinação de comportamentos aprendidos). Essa recombinação faz com que uma dada resolução de problemas previamente aprendida possa ser útil em outros contextos ou, ainda, várias resoluções podem se tornar uma única resolução para um problema complexo novo.

Conclui-se, portanto, que a criatividade não é uma característica inata, um dom divino ou resultado do acaso, mas que ela pode ser desenvolvida e aprimorada ao longo da vida. Existem diferentes tipos de criatividade, cada um com uma função específica, mas todos relacionados ao ambiente e às situações em que nos encontramos. Para estimular a criatividade, é necessário expor-se a novas situações e fornecer ou programar situações que demandem resoluções de problemas, permitindo a recombinação de repertórios. Dessa forma, é possível desenvolver habilidades criativas que sejam efetivas e socialmente relevantes.

 

Para saber mais sobre esses e outros conceitos de criatividade, aprofundar seus conhecimentos e se divertir em uma boa leitura, recomendamos o livro Criatividade: Suas origens e produtos sob uma perspectiva comportamental, publicado em 2018 por Hernando Borges Neves Filho.