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Verônica Bender Haydu
Pense na seguinte frase: “Sente-se igual mocinha!”. Você já ouviu alguém pedir para um menino se sentar como mocinho? Ou para uma menina engolir o choro porque “mulher não chora”? Comandos como esses normalizam, mesmo sem que percebamos, uma diferenciação entre os gêneros femininos e masculinos, a ponto de acharmos que as diferenças entre os comportamentos de mulheres e homens são naturais. O conceito analítico-comportamental de reforçamento diferencial, porém, nos ajuda a explicar esses operantes considerando as contingências sociais específicas que os construíram.
O
reforçamento diferencial, de acordo com Pierce e Cheney (2017), envolve
reforçar um operante em uma situação, mas não em outra. Aquela em que o
operante em questão é reforçado é chamada de estímulo discriminativo, enquanto
a situação em que ele não é reforçado se chama estímulo delta. Com esse
conceito em vista, vale questionar: sob controle de que estímulos estamos
quando reforçamos o comportamento de outras pessoas?
Desde
a infância, mulheres são expostas a contingências diferentes das dos homens
(Ruiz, 2003), sendo ensinadas a executar atividades de cuidado e domésticas, a preocupar-se
com a própria aparência e a se comportarem de forma bondosa (Adichie, 2017). No
caso dos homens, o que é mantido socialmente é o engajamento em esportes (Auad,
2020), em cargos de poder e liderança, e outros (Fontana & Laurenti, 2020).
Pautado nessas contingências, um observador interpreta de forma diferente um
comportamento quando emitido por uma mulher ou por um homem (Ferraz et al.,
2023). Isso significa que, diante da ação de uma pessoa, a consequência social
desta ação depende não apenas de qual ação foi essa, mas também do gênero do
emissor.
Podemos
descrever o seguinte exemplo: ir a uma balada e beijar diferentes pessoas em
uma mesma noite é comumente reforçado quando se trata do comportamento de um
homem. Uma mulher emitindo a mesma resposta, porém, provavelmente não teria seu
comportamento reforçado. Ou seja, esse é um operante que costuma gerar
consequências reforçadoras diferenciais quando emitido por um homem (estímulo
discriminativo) e não quando emitido por uma mulher (estímulo delta).
Um
ponto de destaque é que, nessa conjuntura, as mulheres saem em desvantagem, uma vez que
os comportamentos considerados aceitáveis para elas são majoritariamente
relacionados ao âmbito doméstico, o que as limita à esfera privada do lar
(Fontana & Laurenti, 2020). Um exemplo é o valor atribuído ao casamento, já
que meninas são ensinadas, desde muito novas, a sonhar com o matrimônio. A
autora Chimamanda Adichie (2017) chama atenção para o fato de que o mesmo não é
ensinado aos meninos. Então, em uma relação entre um homem e uma mulher, a
instituição casamento terá mais valor para um do que para outro, favorecendo a
manutenção de relações desiguais. Enquanto isso, segundo Nicolodi (2021),
homens têm mais oportunidades de desenvolver repertórios diversos, já que
acessam reforçadores importantes no contexto público, fora do ambiente
doméstico.
Como
resultado do processo de reforço diferencial de operantes com base no gênero, observa-se
a manutenção destes papéis atribuídos à feminilidade e à masculinidade. Nesse
sentido, a descrição dessas contingências pode ser importante para que possamos
questionar sentenças como as citadas na introdução desse texto, bem como refletir
sobre o tipo de prática que temos realizado ao reforçar o comportamento de
outros.
Referências
Auad,
D. (2020). Educar meninas e meninos:
relações de gênero na escola. (2ª ed.) São Paulo: Contexto.
Adichie,
C. N. (2017). Para educar crianças
feministas: um manifesto. São Paulo: Companhia das Letras.
Ferraz,
J. C., Peixinho, H. L. S., Vichi, C., & Sampaio, A. A. S. (2023). Uma
análise de metacontingências e macrocontingências envolvidas em práticas de
gênero. In R. Pinheiro & T. Mizael (eds.), Debates sobre feminismo e Análise
do Comportamento 1 (2a ed., Cap. 7, pp. 133-148). Instituto Par
Ciências e Tecnologia do Comportamento.
Fontana,
J., & Laurenti, C. (2020). Práticas de violência simbólica da cultura de dominação
masculina: Uma interpretação comportamentalista. Acta Comportamentalia, 28(4), 499-515. https://www.revistas.unam.mx/index.php/acom/article/view/77327
Nicolodi,
L. G. de., & Hunziker, M. H. L. (2021). O patriarcado sob a ótica analítico-comportamental:
Considerações iniciais. Revista
Brasileira de Análise do Comportamento, 17(2), 164-175. http://dx.doi.org/10.18542/rebac.v17i2.11012
Pierce, W. D., & Cheney, C. D. (2017). Behavior Analysis and Learning (6ª
ed.). New York: Routledge.
Ruiz, M. R. (2003). Inconspicuous sources of behavioral control: The case of gendered practices. The Behavior Analyst Today, 4(1), 12-16. https://doi.org/10.1037/h0100005
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