terça-feira, 22 de julho de 2025

Comportamento tem gênero? Uma discussão sobre o reforçamento diferencial entre mulheres e homens

 

Fonte: https://unsplash.com/pt-br

 Fernanda Mocki Colombo

Verônica Bender Haydu

        Pense na seguinte frase: “Sente-se igual mocinha!”. Você já ouviu alguém pedir para um menino se sentar como mocinho? Ou para uma menina engolir o choro porque “mulher não chora”? Comandos como esses normalizam, mesmo sem que percebamos, uma diferenciação entre os gêneros femininos e masculinos, a ponto de acharmos que as diferenças entre os comportamentos de mulheres e homens são naturais. O conceito analítico-comportamental de reforçamento diferencial, porém, nos ajuda a explicar esses operantes considerando as contingências sociais específicas que os construíram.

O reforçamento diferencial, de acordo com Pierce e Cheney (2017), envolve reforçar um operante em uma situação, mas não em outra. Aquela em que o operante em questão é reforçado é chamada de estímulo discriminativo, enquanto a situação em que ele não é reforçado se chama estímulo delta. Com esse conceito em vista, vale questionar: sob controle de que estímulos estamos quando reforçamos o comportamento de outras pessoas?

Desde a infância, mulheres são expostas a contingências diferentes das dos homens (Ruiz, 2003), sendo ensinadas a executar atividades de cuidado e domésticas, a preocupar-se com a própria aparência e a se comportarem de forma bondosa (Adichie, 2017). No caso dos homens, o que é mantido socialmente é o engajamento em esportes (Auad, 2020), em cargos de poder e liderança, e outros (Fontana & Laurenti, 2020). Pautado nessas contingências, um observador interpreta de forma diferente um comportamento quando emitido por uma mulher ou por um homem (Ferraz et al., 2023). Isso significa que, diante da ação de uma pessoa, a consequência social desta ação depende não apenas de qual ação foi essa, mas também do gênero do emissor.

Podemos descrever o seguinte exemplo: ir a uma balada e beijar diferentes pessoas em uma mesma noite é comumente reforçado quando se trata do comportamento de um homem. Uma mulher emitindo a mesma resposta, porém, provavelmente não teria seu comportamento reforçado. Ou seja, esse é um operante que costuma gerar consequências reforçadoras diferenciais quando emitido por um homem (estímulo discriminativo) e não quando emitido por uma mulher (estímulo delta).

Um ponto de destaque é que, nessa conjuntura, as mulheres saem em desvantagem, uma vez que os comportamentos considerados aceitáveis para elas são majoritariamente relacionados ao âmbito doméstico, o que as limita à esfera privada do lar (Fontana & Laurenti, 2020). Um exemplo é o valor atribuído ao casamento, já que meninas são ensinadas, desde muito novas, a sonhar com o matrimônio. A autora Chimamanda Adichie (2017) chama atenção para o fato de que o mesmo não é ensinado aos meninos. Então, em uma relação entre um homem e uma mulher, a instituição casamento terá mais valor para um do que para outro, favorecendo a manutenção de relações desiguais. Enquanto isso, segundo Nicolodi (2021), homens têm mais oportunidades de desenvolver repertórios diversos, já que acessam reforçadores importantes no contexto público, fora do ambiente doméstico.

Como resultado do processo de reforço diferencial de operantes com base no gênero, observa-se a manutenção destes papéis atribuídos à feminilidade e à masculinidade. Nesse sentido, a descrição dessas contingências pode ser importante para que possamos questionar sentenças como as citadas na introdução desse texto, bem como refletir sobre o tipo de prática que temos realizado ao reforçar o comportamento de outros.

 Referências

Auad, D. (2020). Educar meninas e meninos: relações de gênero na escola. (2ª ed.) São Paulo: Contexto.

Adichie, C. N. (2017). Para educar crianças feministas: um manifesto. São Paulo: Companhia das Letras.

Ferraz, J. C., Peixinho, H. L. S., Vichi, C., & Sampaio, A. A. S. (2023). Uma análise de metacontingências e macrocontingências envolvidas em práticas de gênero. In R. Pinheiro & T. Mizael (eds.), Debates sobre feminismo e Análise  do Comportamento 1 (2a ed., Cap. 7, pp. 133-148). Instituto Par Ciências e Tecnologia do Comportamento.

Fontana, J., & Laurenti, C. (2020). Práticas de violência simbólica da cultura de dominação masculina: Uma interpretação comportamentalista. Acta Comportamentalia, 28(4), 499-515. https://www.revistas.unam.mx/index.php/acom/article/view/77327

Nicolodi, L. G. de., & Hunziker, M. H. L. (2021). O patriarcado sob a ótica analítico-comportamental: Considerações iniciais. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 17(2), 164-175. http://dx.doi.org/10.18542/rebac.v17i2.11012

Pierce, W. D., & Cheney, C. D. (2017). Behavior Analysis and Learning (6ª ed.). New York: Routledge.

Ruiz, M. R. (2003). Inconspicuous sources of behavioral control: The case of gendered practices. The Behavior Analyst Today, 4(1), 12-16. https://doi.org/10.1037/h0100005

quarta-feira, 9 de julho de 2025

O Gaslighting sob a Ótica da Análise Comportamental

  

 

Fonte: Inteligência Artificial “DALL·E”, modificada em 19/02/2025. 

Ariadne Barbieri Missiato

Verônica Bender Haydu 

Você já se perguntou o que mantém pessoas em relacionamentos abusivos? Uma das dinâmicas comuns nesses contextos é o gaslighting. Trata-se de uma forma de manipulação psicológica em que o agressor distorce a percepção da vítima sobre si mesma e o mundo ao seu redor, levando-a a questionar suas lembranças, percepções e julgamentos (Abramson, 2014). Essa prática afeta a confiança da vítima, fazendo-a duvidar de sua própria visão da realidade.

O fenômeno do gaslighting pode ser compreendido como uma forma de controle coercitivo. A coerção ocorre quando um indivíduo impõe seu domínio sobre outro por meio de contingências aversivas, que podem incluir punições, ameaças, manipulação verbal e extinção de comportamentos (Sidman, 1989). Esses conceitos auxiliam na compreensão de como o agressor modela o comportamento da vítima, diminuindo a variabilidade de seus comportamentos e reforçando uma dinâmica de poder desequilibrada.

O comportamento da vítima, muitas vezes, é mantido por meio de reforço negativo, ou seja, pela retirada de um estímulo aversivo, aumentando a frequência de determinado comportamento. No gaslighting, isso ocorre quando a pessoa ameaçada opta por se manter em silêncio para evitar punições, geralmente verbais (Moreira & Oliveira, 2023). Por exemplo, ela pode escolher não defender sua posição durante uma discussão por já ter sido rotulada como “irracional” em situações semelhantes anteriores. Esse tipo de consequência reforça a submissão e reduz sua capacidade de agir de forma diversa, perpetuando o ciclo de abuso.

O controle coercitivo ocorre, muitas vezes, por meio de punições verbais, com afirmações como: “você está inventando coisas” ou “isso nunca aconteceu”. A repetida negação dessas histórias inibe a capacidade da vítima de se expressar e até de confiar na visão que ela tem da realidade (Abramson, 2014). Outra forma de punição é a retirada de bens ou direitos, utilizada para impor controle sobre a vítima (Moreira & Oliveira, 2023), reforçando sua dependência e dificultando a resistência às narrativas impostas pelo agressor.

O gaslighting pode ser interpretado, ainda, como uma forma de controle cultural sutil e discreto, que fortalece relações de poder desiguais entre os gêneros (Fontana & Laurenti, 2020). A violência simbólica opera por meio de contingências como o reforço diferencial e o controle ético, desqualificando das ações e sentimentos da pessoa afetada. Ao desacreditar sistematicamente a vítima, prática que contribui para o desenvolvimento de crenças que diminuem sua autonomia, os privilégios e o acesso do agressor a reforçadores sociais são mantidos. Isso cria uma dinâmica que perpetua sistemas de dominação e dependência.

Referências

Abramson, K. (2014). Turning up the lights on gaslighting. Philosophical Perspectives, 28(1), 1–30. https://doi.org/10.1111/phpe.12046

Fontana, J., & Laurenti, C. (2020). Práticas de violência simbólica da cultura de dominação masculina: Uma interpretação comportamentalista. Acta Comportamentalia, 28(4), 499–515. https://doi.org/10.32870/ac.v28i4.77327

Moreira, J., & Oliveira, P. (2023). Gaslighting e análise do comportamento: O reforçamento negativo como mecanismo de controle. Revista de Psicologia e Comportamento, 12(3), 45–59. https://doi.org/10.18761/pac29a09

Sidman, M. (1995). Coerção e suas implicações. Editorial Psy.